Manual de Sobrevivência Pós Rompimento ou Não Chores Mais Que Desidrata



Se esperam que seja um post com frases fofinhas e tiradas de trechos dos livros do Chagas, desenganem-se. Isto vai ser a doer. Sendo o Pedro Chagas um tipo de Paulo Coelho dos amores ou então uma Margarida Coelho... mais vale ler Kafka e seguir em frente.


Não, você não vai morrer e o coração não sangra, nem a sua vida acaba por que ele ou ela deu-lhe um pé na bunda e foi embora, cansou ou arranjou outro bem querer. Não há quem aguente esta verdadeira epidemia de Teresa e Simão num amor de perdição feito em e-mails e sms ou via web cam. Que me perdoem o novos românticos cibernéticos, mas já não há pachorra pra tanta mediocridade feita em quotes e frases de auto ajuda para ultrapassar esta fase que não escolhe idade, estatuto social ou grau de educação. Hoje expõe-se, escarrapacha-se os lamentos de dor de corno ou de assunto mal resolvido da mesma maneira que num piscar de olhos "apaixonam-se" novamente para voltar ao mesmo ciclo.

Já não estamos em época dos lencinhos a acenar da janela, da morte certa no desterro ou da tuberculose galopante. Mas agigantam-se demoradamente no sentimento de perda, que é genuíno no sentido mais básico, mas que tem prazo de validade. Já chega. Mas convenhamos, batem na mesma tecla dias seguidos para depois repetir a dose em requinte de amnésia selectiva. Nada muda, não tenho sorte, ele ou ela não soube o quanto eu sofro. E parece que é preciso que o outro saiba (como se antecipadamente não soubesse de ginjeira) o rombo que fez no músculo cardíaco.

Vamos então por partes deste manual de sobrevivência:


1 - Desabe de uma vez

Fazer de forte, engolir o choro e a frustração poderá parecer uma maneira saudável e certa de ultrapassar esta fase menos boa. Nos homens a coisa até que vai por esse lado mesmo; anos e anos de doutrinamento do Homem Não Chora resulta então num mau humor de cão; se tem um cargo de chefia, o descarrego das frustrações nos colaboradores é evidente e cedendo às lágrimas apenas no escuro da noite ao deitar ou então...movido pelo vapores etílicos  e com a saída do outro "eu".

Mulher não tem cá dessas merdas de engolir choro e ficar fazendo de forte: chora em estilo chafariz com a maior naturalidade, xinga o desgraçado, tem o seu momento etílico, come doces como se não houvesse amanhã... e depois passa mais depressa do que esperava, embora fique assim um bocadinho lacrimosa quando ouve uma música ou então vê-o a distância, nestas coincidências mal amanhadas da vida. Mas passa. Garanto.

Mas é a pior escolha fazer de forte. É nessas horas que os amigos são importantes e que se revelam então como realmente são consigo e como você foi para esses amigos. É que não é assim tão estranho os amigos serem colocados de lado sem mais aquela logo assim que cai em estado de graça e só gravita em volta do ou da namorada. Há praí uma amnésia selectiva grave de muitos que se esquecem dos momentos negros, daquelas horas em que os amigos ficavam HORAS a ouvir sobre a solidão, sobre o quão difícil é encontrar alguém... e depois os momentos de bebedeira por que se encantou com alguém que não lhe liga ponto de corno. Pois é, os amigos estiveram aí, pra dar apoio, o ombro, pacotes e mais pacotes de lenços de papel, um chá pós-porre, e toda a compreensão. Pois, aqueles amigos que procuravam amiudamente porque detestavam estar sozinhos e tinham que deitar cá pra fora a Felismina ou o Abelardo.

Se você apenas descartou os amigos e agora que está na merda e precisa deles...então é bom preparar-se para o que aí vem e a pouca disponibilidade deles. É que amigo não é aspirina apenas pra ser lembrado na hora de dor de cabeça. Há espaço para tudo: para o grande amor do momento, para a família e para os amigos. Família e amigos são uma constante, amores, nem por isso. Portanto, saiba gerir como deve de ser estas peças importantes da sua vida.

2 - Enterre o/a falecido/a

Falar toda hora do/a ex é como ter missa de corpo presente. Ele ou ela já não está lá, só ficou uma casca, mas toda hora volta como que num chamamento de sessão espírita. Foi, é ex, já tem outra pessoa com ele. Não, não adianta simpatia, passar pelos mesmo lugares que o/a ex frequenta só pra fazer lembrar que ainda está vivo/a.
E fica cada vez pior: tudo lembra o/a ex: chove e lembram de uma saída dos dois num dia de chuva; se vê o vendedor de castanhas, lembram que ele também tinha uma camisa de flanela horrorosa aos quadrados amarelos e vermelhos. Se alguém espirra, é igualzinho à ele... e não há pachorra. A sério, não há quem aguente ver o cadáver dessa relação a ser arrastado em cada pequeno detalhe do quotidiano.
Se a relação foi copiosa em presentes do/a ex, tá na hora de pegar nisso tudo e de dar destino: ou devolver ao remetente ou então doar para caridade. Se foi jóia ou algo de valor, venda e dê à si mesmo um fim de semana em grande num SPA ou numa viagem que realmente gostaria de fazer, e se a prenda foi assim fraquita, uma jantarada com os amigos . Se quiser ficar apenas com um cartão ou umas fotos, coloque em lugar que não vai ter a tentação de ir lá ver enquanto estiver a fazer a fase dolorosa. Coloque lá na cave ou no armário dos arrumos junto com aquela jarra horrorosa que a tia Adalgiza deu de presente quando você foi viver por sua conta. E com a ajuda dos amigos...faça o pacto de pagar multa de cada vez que fala no/a falecido/a. Tire da lista dos e-mails, do face do twiter do instagram e todos esses instrumentos de vigilância da vida alheia. Corte pela raiz. Apague o número dos contactos no telelé. Você teve vida antes da Felismina ou do Abelardo, portanto há de continuar a ter vida depois disso.

3 - Não pule logo para outra relação

É certinho e direitinho que logo assim que enterra o/a falecido/a começam logo a pensar em "um novo amor". E é a maior cagada feita além de jogar os amigos de uma vida num canto obscuro. Nesta fase de fragilidade há uma data de necessidades que ficam sem fonte e há sempre um/a oportunista a espreita :

- A física, com a falta dos carinhos, colo, sexo e a presença constante de alguém na sua vida. Dá-se conta então que a casa fica maior, com menos barulho e provavelmente, menos bagunçada. E aí você tem que saber viver consigo mesmo. Tá aí o grande falhanço em muitas relações: se você não é capaz de viver consigo mesmo, de saber apreciar a sua própria companhia, provavelmente outras pessoas vão ter dificuldade em segurar uma relação com você. Ok, apareceu alguém interessante e as hormonas andam aos pulos. Tudo bem, se compreender que há sexo e que é apenas isso, vai sair ileso e com melhor cara no dia seguinte. Além de levantar um bocadinho o ego e a auto estima.

- A emocional,  talvez aí você perceba, finalmente, que não é a outra pessoa que vai ter dar a felicidade, ou que vai completar a sua vida, mas sim vai ser uma acto de dividir, dar e receber aquilo que já tem. Se toda hora ficou naquela de - O Abelardo disse que... o Abelardo acha que...o Abelardo é que sabe... ou então o mais patético: eu só vou se o Abelardo for também; é sinal que nunca teve bases, tem uma personalidade fraquita e não sabe valer por si.

Pular pra outra relação vai acabar por pegar, num acto de desespero solitário, alguém pior e mais calhorda do que aquele que acabou de sair. Se agora está em estado frágil e se você tem vontade de voltar a sentir-se como uma barata, é esse o caminho: pegue a primeira cantada ou elogio como começo de alguma relação.
Há que fazer o luto, depois do enterro, passar uns tempos na própria companhia e analisando tudo. O que tem que mudar em si, na sua vida e no quotidiano. Mude! Pedras que rolam não criam musgo e é por esse caminho que as coisas devem ir. Pratique um desporto, viaje, leia mais, arranje um passatempo ou faça umas horas de voluntariado. Aprenda uma nova língua ou a pintar. Faça bricolage e saia da tela do computador; há um mundo imenso lá fora que sempre existiu e conta com a sua presença. E nisso, a família e os amigos, são uma peça importante.


Ok, passou-se isso tudo, as fases todas e até já se consegue cumprimentar o/a ex sem sentir o coração amarfanhado.

Agora que está a 100% outra vez, usando aquele órgão especial e muitas vezes mal acarinhado, o cérebro, pense naquilo que é mesmo importante. Você mesmo. Nesse caso, sabendo e valorizando a sua importância nesta equação de vida, onde soma-se, subtrai-se, multiplica-se e dividi-se sentimentos bons e menos bons, pense bem. Se você tem valor e sabe o que vale, não vai entregar de bandeja aquilo que tem de melhor à qualquer um/a. É que agora, o modo de vida moderno, exige gratificação imediata, cheio de likes e merdas assim. Pergunte-se se tem estômago para ficar 24 horas por dia apaparicando ego alheio e sem retorno. relação é via de dois sentidos e entrar numa via de sentido único vai acabar por ser tão ou mais solitário e frustrante do que estar sozinho. Alimentar ego, ou resposta imediata ao estímulo é quase como viver com o cão do Pavlov, mas sem a amizade férrea do canídeo.

Não adianta sair à procura. Cada vez mais fortalece a minha teoria que tudo tem a hora certa para acontecer. Não é num momento de fragilidade emocional ou com bagunça na vida económica, no meio do desespero do desemprego, que uma relação vai dar certo.Não se usam pessoas para esquecer outras, isso só vai dar em merda outra vez. As coisas acontecem por si mesmas quando duas pessoas estão prontas e dispostas; quando não é só a química a reacção mais forte. É quando tudo encaixa perfeitamente no seu lugar, apenas por que sim. Não tem fórmula, não tem descrição, nem explicação. É por si mesmo, e exige depois trabalho sim, tem que investir nisso, mas NUNCA esquecendo e colocando de lado todas as pessoas que ajudaram nessa caminhada dura e difícil. A pessoa que chega agora vai ACRESCENTAR mais um ingrediente no seu tempero de vida, junto com todos os outros. E já deu para perceber, que o "felizes para sempre" além de exigir muito trabalho, uma postura vertical e evolução dos dois, pode não durar para sempre. O grande, o melhor e maior amor é o que se vive no momento. Se ele acaba...vai dar lugar à outro tão grande quanto foi o último ou não. Depende daquilo que quer fazer, ou daquilo que está a colocar disponível na vida.

Muito importante 

Meus senhores, mulher hoje em dia trabalha (ou pelo menos deveria) é capaz e não, desculpe, não são inocentes, podem ser inexperientes, mas nunca inocentes. Se sofre de síndroma de Cavaleiro Andante e gosta de resgatar donzelas em perigo, vai ser um alvo fácil para qualquer oportunista que conheça o seu ponto fraco.

Minha senhoras, acabem de vez com o síndroma Zé Cabra e do homem "Deixei tudo por ela". Sejam realistas e vejam o mundo tal qual ele é; ele tem uma vida vivida antes de si e pessoas que são importantes, não obrigue a descartar família e amigos apenas para ser o centro do seu universo. Nem pensem que com jeitinho conseguem muda-lo. Só muda quem está disposto a fazer isso.


Dedico este manual à todos aqueles que neste momento estão nas diferentes fases de pós relação, uns ainda cheios de dores e choros, outros na fase raivosa, outros na fase da amnésia selectiva e esqueceram dos amigos e gravitam à volta do amor actual; daqui uns tempos havemos de conversar melhor... mais propriamente no próximo pé na bunda, tás-te a fazer-te ao jeito. Aos que já estão a 100% e inteiros, mais conhecedores de si mesmos e mais precavidos, os meus parabéns! A partir de agora é bola pra frente que ainda é jogo. 


Apareçam

Rakel.

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