De Pó à Árvore - Refazer o Ciclo



Pela tradição judaico-cristã, do pó viemos e ao pó voltaremos; nos ritos da morte desta tradição milenar foi sempre costume devolver à terra os corpos que libertavam a sua alma. E é nesse conceito de um vaso que transportou a alma durante o espaço mais ou menos proveitoso de uma vida, que muitas religiões enxergam o modo mais fácil de desfazer-se do corpo.

Os hindus entregam ao rio sagrado Ganges os corpos dos falecidos, em algumas regiões há a pira fúnebre na qual o corpo é desfeito e depois largam as cinzas no Ganges. No Himalaia, abandonam o corpo à sorte de alimentar os animais, como também fazem os esquimós, refazendo o ciclo de vida e morte. Cada lugar ou sociedade procura de forma respeitosa ou cuidada assinalar a sua despedida aos entes queridos.

A nossa sociedade ocidental, arraigada nos conceitos judaico-cristãos, perpetua  a construção das suas necrópoles, com os mausoléus artísticos às campas rasas, na continuação dos níveis sociais e económicos sobejamente conhecidos. E sinceramente, do ponto de vista de continuidade de ciclo, sempre pareceu-me pouco justo essas cidadelas dos mortos. Se a morte iguala a condição humana, pois toda gente acaba por morrer, amarfanha-me o cérebro o custo, a manutenção e o comércio da morte. Uma das minhas mais forte convicções, é que, no dia que for deste mundo, gostaria que o meu corpo fosse doado à ciência. Uma vez que já não me faz falta, uma vez que já lá não estou dentro, pareceu-me razoável não colocar um endereço do que me resta.



Das ideias fabulosas que vão aparecendo por aí, surgiu este projecto que me parece em tudo notável e uma forma bonita, higiénica e correcta de tratar os nossos mortos. O projecto propõe que se coloquem os restos mortais em um casulo ecológico que depois de enterrado ficará com uma árvore por cima. Essa árvore será a pedra tumular, que dará sombra, flores e frutos se assim desejarem, e um ambiente acolhedor, renovador e correcto do voltar do ciclo de vida. E o corpo lá no casulo, em vez de apodrecer sem mais proveito do que alimentar minhocas, vai servir de alimento às árvores.

Decididamente, e tendo o maior respeito pelos demais tipos de devoções e ritos, acho muito mais interessante e bonito que haja um jardineiro do que um coveiro. Que não se leve flores em morte (quando nunca lhas deram em vida) que murcham de um dia de Finados ao outro. Mas que se vá lá regar, sentar-se à sombra para pensar, falar ou ler. Uma árvore que represente a sua mãe, seu marido ou um pé de pimenteiro que foi a sogra  :D
Devolver à terra num pó melhorzinho e com outro fito do que ser um ponto de lágrimas e amargura, onde se possa assistir o cair da folha, o brotar dela, a morada de pássaros e o rumor das folhas ao vento.

Precisamos de jardins, não de mausoléus de cimento ou a placa de mármore paga às prestações, precisamos de ter a consciência que nos é dado muito e que depois de morrer... é o mínimo que podemos fazer. Pois se a natureza é uma manifestação divina, não estaríamos em melhor lugar do que perto da sua obra... seja de que credo ou fé seja.

Apareçam

Rakel.


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