Be My Valentine




Hoje já não havia na página inicial da Google o par de letras a dividirem o mesmo fone para ouvir música; as floristas vão baixar o preço das rosas, pois são sempre rosas vermelhas e a amanhã hão de levar orquídeas para algum aniversário ou cravos para uma campa. Amanhã, as montras vão despir por completo o vermelho do veludo, guardar os corações nas caixas e as perfumarias vão esperar que chegue logo o dia dos pais e das mães. Vão guardar os dividendos e lucros de um só dia que se propôs comemorar o enamoramento.

Voltarão os dias rotineiros, sem rosas, sem cartões ou jantares a dois; voltam os dias do beijo apressado, da hora marcada e remarcada entre o trabalho e a lida de casa. E namora-se quando calha, quando há tempo, quando outra vez lá marcam no calendário o aniversário de casamento, mais uma vez as rosas chegam nesse dia com cartão e o jantar da praxe. E namorar mesmo... isso foi noutros tempos.

Ontem foi o dia que muita gente deu-se ao trabalho de sentir-se só, sem cartão, jantar e rosas; no meio desse estado de melancolia, olharam para o tempo que passou e o tempo que lhes resta: nada de família, de filhos e de felicidade. Esse escoar rápido de tempo, do tic-tac biológico a dar horas, ficaram a pensar que é desta, este ano, tem que ser: há que arranjar par e fazer o plano traçado e almejado como perfeito e certo. E certo é, que na felicidade, as coisas não acontecem como um plano elaborado.

Há aqui um traçar de planos, que originalmente coloca-se em: namorar, casar, ter filhos e ser feliz. Colocam o ser feliz por último quando deveriam colocar em primeiro lugar. Não há felicidade entre casais que não se casam? Não há felicidade entre casais que não querem ou não podem ter filhos? É imperativo essa sequência básica de felicidade?

Não me espanta nada que os relacionamentos sejam tão tensos, tão intensamente trabalhados, quando na verdade deveriam fluir naturalmente. Joga-se nas mãos do outro o dever e a garantia da nossa própria felicidade. Todas as expectativas são presumidas no primeiro sinal de "temos muito em comum", só pelo facto de ambos gostarem de comida indiana e do Benfica. Só por esse bocadinho de empate de gostos, planeia-se e  constroem-se as ilusões todas até ao nascimento do primeiro filho que há de ter o primeiro nome do pai dela e o do pai dele. E não se é feliz se não tiver tudo como manda a tradição.

Namoro... meu doce Krishna... é a época normal de conhecer uma pessoa, aos poucos, sem pressas, sem hora marcada, nem por quê sim, tem que dizer tudo em relatório completo. Não, não é certo, não é normal a perda de privacidade, nem tão pouco é normal a perda de identidade. O namoro, tão desprezado e mal afamado, foi jogado num cantinho do "já não se usa". Podem dizer que não, mas o que se passa hoje é: conhece-se uma pessoa, vão jantar juntos passados dois dias e ao terceiro passam a primeira noite juntos. Semana seguinte, ele ou ela já está de escova de dentes e malinha na mão a bater na casa do outro para viverem juntos. E não namoraram... não sentiram falta, não conversaram ou tiveram tempo para pensar se é realmente essa pessoa que querem para partilhar a vida.

Admito, estou fora de moda, pouco moderna e muito distante dos preceitos vigentes desta sociedade dita esclarecida e de vanguarda, que não quer perder tempo com miudezas. Ok, é verdade. Mas se eu estou errada e vocês estão certos, não percebo então a razão que haja tanta gente sozinha, infeliz e temerosa de nunca vir a ter o filho sonhado. Não percebo, no caso de estar assim tão longe da realidade, se conseguem ter ânimo suficiente para entrar numa relação com tão pouco como base... que não tenham um bocado de tempo para namorar. Mas qual é essa pressa toda?

Felicidade não se encontra nas mãos de outros, paz de alma também não, é algo muito pessoal de alcançar e que leva o seu tempo. Ninguém chega para completar coisa alguma, chega para enriquecer o que já há. O outro não é toda a vida, é parte da vida. Olhem para trás e vejam quantos já não fizeram parte dessa caminhada. Uns deixaram boas lembranças, outros nem tanto. Mas o melhor, o mais perfeito amor, será aquele que ainda não se viveu e que logo há de chegar. Não floresceu, não vem acompanhado de rosas e corações em dias marcados. Há de fazer rir, há de estar lá nos dias piores, há de estar presente no abraço longo, no olhar, na palavra na hora certa. Ou no silêncio que condensa tudo, que não diga nada, mas sempre um mistério por revelar.

Namorem, arranjem tempo. Deixem fluir por si mesmo o que virá no seu tempo, e que seja de comum acordo, nos limites de cada um. Sejam felizes em primeiro lugar para repartir essa felicidade com alguém.

Apareçam

Rakel.


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