Meu Nome É Rakel




Sem me perguntarem ponta de nada, baptizaram-me católica, com direito aos padrinhos, missa, vela e tudo mais. Depois de algumas voltas e reviravoltas, encontro-me confortavelmente pagã assumida dentro da Velha Tradição. Fosse eu dizer isso há uns séculos, e teria direito a uma sessão de tortura daquelas bem divertidas que metem afogamentos e estalar de ossos até a fogueira.

Gosto de um bom bife mal passado e arroz de pato, nem por isso sou a favor de torturarem e matarem animais. Como porque me faz falta e respeito os veganos e afins, embora a lógica do herbívoro não me cabe na construção da humanidade.

Não gosto do João Jardim, já brinquei um bocado sobre isso, assim como não gramo nem a lei da bala o Nilton, um tipo que até calado me dá nervos. Também não gosto de couves de Bruxelas e do Gonçalo Santos, um narcisista tipo Paulo Futre que vai inventando novas palavras para o vocabulário em modo de parecer eruditamente elevado. Mas quando qualquer um deles abre a boca ou aparece na minha tela, mudo para outra coisa. É uma escolha minha colocar na borda do prato as couves miniatura e os apardalados.

Não concordo com aquilo que dizem, acho uma verdadeira boçalidade as alarvidades que vão soltando em cada aparição... mas há o botão de desligar ou mudar de canal ou página. Nada me obriga aceitar seja o que for, como nada me obriga gostar deles só porque toda gente gosta. Só há uma coisa que me obriga, o direito deles terem lá a opinião deles e eu a minha.

Nunca vi o Jardim  lesado por ofender de forma grosseira e baixa os jornalistas, e pelo jeito, é um direito assumido dele. Nunca conheci jornalista algum que tenha ido ter com ele de arma na mão para sentir-se vingado ou vingar a classe. Enfim...

Há uns tempos atrás, quando tentaram invadir a Assembleia da República, dizia um tipo na rede social, que só lhe apetecia pegar numa arma e matar essa corja (política) toda. E eu, fiquei ali pasmada a olhar para aquelas palavras e pensei cá com os meus botões: mas será que ninguém pensa que matar outra pessoa é um acto sem volta e que é tudo de verdade e não um filme? Até que ponto uma pessoa consegue ser manipulada de forma a esquecer que aquela pessoa que ele deu o voto (ou se escusou por abstenção) tem tanto direito à vida quanto ele? Fiquei chocada...

Eu já fiz aqui a minha leitura dos 10 mandamentos, gozei um bocado com o Moisés (um gajo que fica perdido 50 anos e não pergunta direcções à ninguém), com a ciência e as tias falidas. Terei que temer alguma beata a cheirar a água benta ou alguma tia de mala com cavalinhos? Terei que pensar que é uma imoralidade dizer não à senhora da mercearia que na brincadeira me diz a maravilha que são as couves de bolinha? Pego numa semi-automática e dou uma rajada nos caixotes de nabos  como forma de manifesto repúdio ao legume? O mundo anda mesmo louco... louco demais...

Hoje toda gente se sente e diz Je Suis Charlie... e eu digo: Meu Nome é Rakel, que gosta de ouvir Doom, Death Metal e não será por isso que vou entrar numa escola e desatar aos tiros, nem sou satanista. Jogo em consola e dou porrada na tela e nem por isso vou entrar num supermercado e desatar aos tiros ou facadas porque não tem a marca de farofa que eu gosto. Nem vou entrar numa igreja e colocar sumo em pó na água benta. Não gosto de couves de Bruxelas e do Nilton, detesto ficar de pé nas filas e roupa amarela, passo-me quando me mentem, mas nunca puxei duma naifa e espetei ninguém. ODEIO o som de vuvuzela e quase me dá uma travadinha quando vejo uma miúda de calções e botas em pleno Inverno de -2º, só porque é moda. Não vou lá no vizinho e faço-o engolir a vuvuzela ou pego a miúda pela orelha e chamo-lhe a atenção pelos calores artificiais... é um problema deles, certo?

Mas arrogo-me no direito de não concordar com tudo que ofenda a minha visão pessoal e de usar a minha opinião, certa ou não, com humor, sarcasmo e cinismo. Com o mesmo direito que o Jardim toma quando chama de filhos da puta aos jornalistas. Liberdade de expressão tem duas vias... e quem não aguenta, que desligue a tela, saia da conversa e vá fazer algo produtivo. Crie o seu mundinho autista onde ninguém possa criticar, em ter uma opinião diferente.

O que me choca é esta negligência pela vida e essa tomada de dores em nome de deus.

No reverso da medalha, todos tomam o acto repulsivo de um punhado de ignorantes fanáticos como um total final de um povo. Nas prisões abarrotadas, temos lá montes de auto-proclamados cristãos que além de romper com a lei dos homens, rompem com a lei de deus.
O acto estúpido e inconsequente acordou uma certa reacção mal orientada do mundo que sente necessidade de reagir. E o que fazem??? Estouram com um estaminé de kebab... a sério... kebab??? O que diriam então estas alminhas luminosas, se nessas alturas passasse uma avozinha num passeio inocente, ou uma família com crianças? Danos colaterais desta vingançazinha infantil???

Se tiver que ser sincera neste momento... diria que a minha solidariedade está com TODA gente que se vê impedida de pensar e expressar-se livremente, seja certo ou não. Seja o Charlie Hebdo ou um jornalista em Cuba, na Rússia ou aqui em Portugal com os telefones sob escuta. Até dou uma aberta ao António Saraiva da Sol... que vai largando as suas alarvidades e divertindo-me no ofício de abrir o jornal com as suas pérolas... direito de opinião, mesmo que não consiga concordar com ele.

...mas ainda não tenho forças para aceitar as couves de Bruxelas e o Nilton... isto tem que ficar longe, mas respeitando o direito à vida que eles tem.

Apareçam

Rakel.


Comentários