A Fórmula do Amor



Um post escrito com banda sonora


Li uma notícia, de uma professora universitária cansada de tentar a sorte na roleta dos relacionamentos na net, a apostar numa fórmula criada por um psicólogo. Nessa fórmula, duas pessoas respondem, cara a cara, uma série de 36 perguntas e no fim, fixam o olhar uma na outra por uns 4 minutos e ... tácharaaaammm. Apaixonam-se. E são o par pra toda, vida cheios de coisas em comum e tal e tal.

Não posso colocar-me aqui a mandar bocas foleiras ao método do Dr. Arthur Aron, mas custa-me engolir que nesse questionário catita hajam tantas coincidências e encontros entre dois perfeitos desconhecidos. Que exista de ambas as partes a necessidade de ter alguém, ter um relacionamento que dê certo, isso eu acredito. No resto... coloco as minhas dúvidas... responder um questionário e depois fixar os olhos um no outro e pum! tá feito?

Dirão alguns que realmente procurar o seu par na internet é descabido e de uma certa covardia, há para aí tanta gente no mundo, não seria mais natural encontrar alguém de relação quotidiana? Será que ela não conhecia homens das suas relações que poderiam vir a ser o seu par? Não sabemos, mas o certo é que, em sendo uma professora universitária, certamente não viveria reclusa numa caverna, conhecia pessoas, homens e teria possivelmente vida social. E dentro dessa vida social, das amizades... não teria  um bom, talvez até, um grande amigo que poderia ser mais do que isso?

Ok, ok, lá vamos entrar na área restrita: amigo/a  está fora da jogada. Não pode, não deve de ser. Amizade é uma coisa, amor já é de outra liga. Daí que, tantas vezes, quando um grande amigo, não um conhecido, mas um amigo ultrapassa essa linha densa, mas invisível entre amizade e declara o que sente, vem logo aquela velha frase batida do : "eu gosto muito de ti, mas apenas como amigo". Pronto, foi barrado e chutado para o outro lado da linha. Mas... porque razão a amizade é categorizada com um nível inferior ao do amor? Já agora, o que foi que colocou lá no alto o estatuto do amor acima de tudo o resto? Foi quem mesmo?

Vamos ser francos, despidos de qualquer tipo de pudor e vamos fazer uma auto-análise. Definimos os amigos como aquelas pessoas mais chegadas à nós, as primeiras à quem contamos tudo, as argoladas homéricas, os nossos mais íntimos e profundos receios, aquela pessoa que sabe perfeitamente que quando bebe mais uns copos sai cá para fora um Mr. Hide. Aquela pessoa que sabe perfeitamente o que queria dizer em 3 ou 4 palavras, que te disse as coisas mais acertadas nos momentos mais desacertados. O que te deu ralhete e colo na hora própria. Aquela pessoa que tem a própria vida para cuidar, o seu próprio temperamento.  Essa pessoa, importante na sua vida, que não vais morrer de insegurança se não se falarem por uns dias ou até semanas, mas que na realidade a sentes como tua, fica colocado na casta dos intocáveis.

O menosprezo ao qual votam as amizades é das coisas que sempre me fez imensa confusão. Parece uma descida de escalão quando colocamos aquela pessoa no " ah, é só um amigo..." Só?
Valores colocados entre amizade e amor tem sido desequilibrados na balança, quando na verdade, o melhor amigo, o grande amigo, tem mais afinidades, te conhece melhor e te aceita apesar de tudo, tal como és, e sobrevive além do tempo e de todos os namorados, maridos e afins. Ele está lá, mesmo ausente.

No amor, como já deixei publicado, colocam-se uma data de expectativas pesadas, a tal lista de predicados ideais, escolhidos a dedo. E quantas vezes, o dedo é podre e só escolhe o que não deve? Não se trabalha a relação em si, não desenvolvem muito o que são. Começa tudo na atracção física, na idealização do que virá a ser o viver a dois, o tal projecto de vida. Encontra-se com lupa os pontos em comum, ou então ajustam-se uns e outros para encaixarem bem. Na amizade, não há ajustes, atenção, eu disse amizades e não conhecidos. Os conhecidos geralmente viram o projecto de vida, escolhido pelo bater de olhos e faltando toda a construção de um verdadeiro amigo.

Felizmente não sou só eu que penso assim, não sou só eu que vê que o significado de amor está deturpado e sobrevalorizado. O que magoa, o que te coloca em baixo não é saudável. O que te coloca inseguro, o que te faz sentir medo, dependente, sem personalidade própria, preso na trela do compromisso até que a morte nos separe, que numa noite, olhes para o lado e te perguntes quem raio é aquela pessoa e o que raios andas tu a fazer. Isso... me perdoem, pode ser tudo menos amor. Deixo aqui, uma pequena palestra na TV Cultura, no programa Café Filosófico com o psicólogo Flávio Gikovate, onde ele consegue, melhor do que eu, enxergar os pontos certos e fortes desta dupla mal colocada, o amor e a amizade.

Sei que é um verdadeiro salto de fé, dentro dos parâmetros normais, dizer à uma amigo ou amiga o quão importante ele ou ela é na tua vida. Que ele ou ela é a pessoa que, apesar dos espaços de tempo, apesar de todas as diferenças e modos de vida, é aquela que consegues ver como uma constante na vida, e não um momento passageiro e sem significado.

Se a professora universitária encantou-se com aquelas 36 perguntas e o olhar, dou-lhe os meus votos de felicidades. Aos que conseguem enxergar melhor aquele amigo ou amiga... parabéns. Mas desmistifiquem, pois  "a amizade não é um sentimento de segunda classe" podendo ser mais forte e duradouro e, quem sabe, um pontapé de saída para muito mais coisas felizes.

A minha banda sonora deste post foi feita de músicas que tem-me chegado às mãos ao longo de 5 anos, juntei todas elas, as que me foram oferecidas por um grande amigo e deixei rolar nos ouvidos. Aquele tipo de amigo com quem falo de tudo e mais alguma coisa, das minha abobrinhas sem importância até aos temas de fundo. Não me magoa a ausência e não me sinto triste ou insegura pelos intervalos de tempo. Não veio para preencher vazios, mas definitivamente adiciona muitas coisas. Digamos que nadamos nas mesmas águas profundas, embora diferentes em alguns pontos, coincidentes em muitos outros...

...e nunca vou poder dar-lhe um beijo de adeus, apenas um beijo de até depois... 'cause I'm not an angel...

Apareçam

Rakel.


Comentários