Meditação em Origami




Eu sei, confesso, muitos dos que me rodeiam e querem o meu bem, que se preocupam com a minha saúde e bem estar, e que por isso mesmo, vejam todos e mais alguns motivos para que eu deixe de fumar, mas não percebem bem como isto é. Louvável esta atitude abnegada dos amigos de sempre, mas que, falando mal e depressa, aporrinha-me o juízo. Tentei por livre espontânea vontade largar os cigarros lá pelas alturas do Verão e das férias. Não jogo as culpas no destino ou na sorte (ou da falta dela) para que as coisas tenham corrido mal. Há situações que não controlo.

Tinha enfiado nesta minha carola que desta, era de vez, que ia largar os cigarros e ocupar-me de outras coisas mais interessante e que me fariam melhor. No princípio achei que ia trocar o lado tabagista pela diabetes, pois era um tal de chupas e rebuçados a bailar na boca em substituição do vício, que pensei seriamente em fazer análises ao sangue, não fosse o capeta tecê-las. Mas então, eis que galopante e de rompante, chega um pequeno detalhe que bagunçou por completo todas as minha boas intenções. Agora são chupas, rebuçados e cigarros...

Não será provavelmente uma escolha feliz de tema, mas um bom pontapé de saída. As nossas escolhas, motivações, necessidades e apegos e as confusões que armamos quando ficamos indecisos e escolhemos algo que transcende a nossa vontade.

Dentro desse conceito de escolha, invariavelmente entra o jogo do certo e errado, aquele jogo baseado em premissas socialmente aceites e que todos seguem... mais ou menos. Certo e errado, fora das grandes bases do conceito, é tentar contornar uma série de "não pode" e não se deve" que chateia imensamente. O que eu queria chocava com o que não devo e o que eu precisava chocava com o não pode.
Geralmente, aquilo que precisava também não se dava lá muito bem com aquilo que eu queria, pois nada, mesmo nada encaixava que, a minha cabeça sabe o que quero, mas o resto vai de rojo até ao que preciso. E não sou caso único.

Escolher é sempre uma forma de perda, a chegada posterior dos "e se tivesse feito" ou "e se tivesse escolhido outra coisa" é certa, pois a dúvida do que escolhemos é sempre um factor constante. Será que escolhi bem?

Nessa andança de deixar de fumar, pensei que se mantivesse as mãos ocupadas com qualquer coisa que exigisse a minha atenção, se calhar as coisas corriam melhor. Então meti na cabeça de fazer uma grinalda com mil tsurus* feito de origami. E nesse dobra e desdobra, com vales e montanhas (nomes das dobras), do encaixar cantos correctamente, de fazer dobras limpas, comecei a ter uma visão mais prosaica do processo de escolhas, do que realmente me importa e aquilo que eu preciso e quero. E descobri que estes dois não são incompatíveis.

Não há nada de mais triste quando sabemos o que queremos e não deixamos que isso cresça, tome forma e seja sólido. Sempre disse que, tudo aquilo que não prejudica ninguém, tudo aquilo que é feito de maneira que seja feito por bem, não me parece errado. Daí não compreender a grande ofensa de quem vai trabalhar com tatuagens a mostra, ou cabelo pintado de azul ou com uma argola no lábio. Choca-me muito mais as tipas com voz de tia, trejeitos exagerados e a cheirar mal, com cabelo seboso sustentado por quilos de laca. Que as há.. há.

Ofende a minha integridade olfactiva, mas não prejudica a minha vida directamente, a menos que a dita pessoa esteja contra o vento e eu a levar com isso. Portanto, o que não me prejudica, não dou importância e não valorizo. Simplifico.

Parece então que, finalmente, encontrei a idade do Juízo, a tal que continua a ser muito particular na minha tradução. E nessa base, saber o que quero, eu sei, e tanto me faz como fez se é aceite ou não pelos ditames sociais. O que eu preciso, também sei e, ohhhh... vejam lá, não é que sabe conviver muito bem com o que eu quero?

Pois descobri que, tal como não consigo controlar os movimentos do universo, também não sou capaz de escolher TUDO que preciso e que no final das contas é o que quero. Esse é o pó de pirlimpimpim. Eu preciso daquilo que quero, que me é mostrado, que me é dado a conhecer e depois gostar tão facilmente pelo facto de ser simples e pacífico. Encaixou perfeitamente no final das contas. Aleluia, oremos irmãos, alvíssaras, alvíssaras... Há situações que acontece, não as controlo, mas mesmo assim encontro-me bem com elas. Não há o que complicar.

Se isso acaba por ser uma grande confusão de alma para os outros, se for impossível para eles ou elas aceitarem este facto, de que o que que quero e preciso está decidido, não posso fazer nada. Se é certo ou errado, é discutível e muito subjectivo e só no caso de interesse mútuo é que posso defender a minha causa.

Mas no que me toca, acho que não vale mesmo a pena castigarmos-nos com uma data de renúncias, negando-nos todos os dias um pouco, só para satisfazer um conceito geral de certo ou errado que seguem mal e porcamente, mas com ar superior e dedo em riste contra os conceitos que ficam fora do aceite.


Apareçam

Rakel.

PS. ainda faltam praí uns 400 tsurus (tsuru é a garça*) ... mas é coisa para fazer com calma, sem pressas e com a devida paciência.

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