Linguagem Subliminar






Graças aos céus que não vivi naquela época dos grandes salões de baile, das senhoras com as suas damas de companhia como forma de regular o decoro, ao mesmo tempo que o colo ficava todo a mostra, de tal maneira, que não me admira nada que a vaga de tuberculose fosse tão grande na altura. Nesse tempo, em que  valsa era tida como uma dança indecorosa (vissem hoje os abana bilhas que andam praí a chamarem de dança...) , das debutantes apresentadas à sociedade em mercado livre de noivas e dotes, haviam as tais linguagens feita de gestos e acessórios.

Os olhos atentos, pois os leques eram usados (ok, de uma forma mais subtil) como as bandeiras dos operadores de terra dos aeroportos. Os bilhetes guardados nas luvas, os lencinhos rendados e toda aquela parafernália que levavam vestido, o tipo de flores que levavam nos cabelos, tudo era linguagem e fizeram do século XIX o século do romantismo. Mas com muito decoro. E esta que vos escreve, se vivesse nesse tempo, fatalmente viveria a tropeçar nas sedas e rendas, perderia o leque algures e andaria sem perceber metade das coisas que se passassem em redor. É que não percebo mesmo nada de nada dessa "ciência" das linguagens subliminares.





Não por acaso, e mais por causa dessa merda do LOL, descobri que a língua portuguesa tem mais de 400 mil palavras, e acredito que tal como as fadas morrem quando dizem que não acreditam nelas, acredito que por cada LOL largado, morre uma das 400 mil palavras e que, não tarda nada, andamos para aqui feitos grunhos ou usando leques como bandeira de sinalização...

400 mil palavras e biliões de milhões de possíveis combinações de palavras, uma infinidade de modos de expressar, com mais ou menos erudição, as palavras correctas e necessárias. Mas não, há essa mania de não dizer, ali preto no branco, palavra por palavra aquilo que realmente interessa. E sou cá destas pessoas, que precisam mesmo de dicionário para tanta figura de estilo, subterfúgio, enfim, todas estas subtilezas de falar sem dizer nada concretamente... perco-me na tradução, na verdade arranjo praí meia dúzia delas e mesmo assim fico na dúvida de cheguei perto de acertar alguma.

Já nos tempos passados, quando jogava volei, era um verdadeiro desperdício aquela cena dos sinais a meio do jogo, a me informar em quantas jogadas seria o remate ou em que hora deveria simular a subida na rede. Tive mesmo que dizer que era preferível dizerem as coisas quando passávamos umas pelas outras, pois ou eu prestava atenção ao jogo e ao movimento da equipe adversária, ou então prestava atenção aos dedos e movimentos de pulso da nossa capitão de equipe. Haviam 5 pessoas do outro lado da rede à quem devia ter atenção, mais ao treinador que berrava com elas. Sinais... que baralhada... Me sentia como numa sessão da bolsa de valores em alta.



400 mil palavras, tantas quantas as formas do nosso pensamento e camuflamos cada uma delas, torcemos os sentidos, jogamos com a semântica e escorregamos nos trocadilhos. E como negligenciam o poder que cada uma carrega, cada palavra, cada sentido, cada motivo. Camões, Pessoa e Florbela... usaram das palavras para contar coisas da alma, do sentido que viam da vida, os sonhos, as necessidades. Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Vinícius, palavras soltas e fáceis, sentidas e fundas. Directos e certeiros em sentidos e sentimentos. Nada de mensagens subliminares, é ali o gosto do desgosto na boca das palavras, é o contar o reverso da adversidade, há bons tempos sim, de sentir uma data de coisas. É admitir o estar triste, alegre ou apaixonado. Desbragadas com Bocage, gingadas com Amado, farpadas num Eça ou malditas num Nelson Rodrigues.

Não estraguem a beleza das palavras, todas elas, das chulas  às decorosas, não façam delas subterfúgios ou sentidos dúbios. Elas não merecem isso.

Nem eu

Apareçam

Rakel.


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