O Amargedon Pessoal ou Uma Pintura De Bosch Que Ganhou Vida




Livro aos de pouca paciência, capítulo 33, do versículo 15 ao 23

... E eis que vi surgir no frio e extenso chão negro de mármore homens nos seus trajes cerimoniais, fatos e gravatas, num mar de azuis escuros castanhos e cinzentos. Camisas brancas ou azuis claras com gravatas vermelhas ou azuis escuras. Deambulavam perdidos, tentando parecer que sabiam o que faziam, tentando aparentar o que não eram.

E dentre esses sacerdotes cerimoniais, surgiram aos poucos mulheres com vestidos pretos e vaporosos, equilibrando-se em saltos vertiginosos, rindo-se da intempere, pois vós não sabeis que a moda não se compadece do frio e da chuva? Outras de ar altivo, com poucas e secas palavras, esboçavam sorrisos rígidos como os fatos cinzentos e castanhos que envergavam.

E ouvi das bocas desses sacerdotes sociais, a voz nasalada da exigência do quero-posso-e-mando, mas que perdem os papéis e pastas, que desconhecem a misericórdia  e a humildade do desconhecimento de causa e principalmente, os princípios do acordo prévio.

De um canto esquecido na extensão de mármore negro, eis que ouvi sair a mais estranha música de elevador a dar ambiente ao footing redundante, aos apertos de mão rígidos, aos sorrisos sem graça e ao brilhar das jóias que escaparam da penhora.

Valei-me ó Senhora Tríplice e seu Consorte, pois vejo um smoking de casaca vermelha brilhante, com lapelas negras como o mármore onde piso. Será o Demo? Mefistófoles ou Asmodeus?Não, misericórdia, é ainda pior... É o saxofonista, deveras, para compor o ambiente selecto e estudado por mais de dez sacerdotes do bom gosto, da pompa e circunstância, há este músico para tocar em cima dos grandes sucessos de há trinta anos que escorre pelas colunas de som. Misericórdia...



E vi, de entre toalhas verdes e cor de cocó de bebé, garrafas e mais garrafas de espumante perfiladas com os copos de pé alto e as iguarias a serem servidas antes de entrarem no templo. E esperei, eu esta grande pecadora social, remetida para a minha insignificância de espectadora, como seria possível que uma máquina de café normal, como vemos em qualquer café ou pastelaria, montada na extensão fria e negra, funcionar sem estar ligada à qualquer tipo de canalização de água? Serão estes sacerdotes, os escolhidos, detentores de uma sapiência tamanha, que ultrapassariam o filho de deus e fariam milagres?

Mas eis que os sacerdotes mostravam-se aflitos com o passar do tempo, perdidos e ansiosos com a chegada dos demais fiéis. E clamavam e pediam ajuda divina, que eu, mera espectadora, não podia valer-lhes. E foi na fé do chamamento, que pedi a intervenção divina, para que pudesse livrar-me das exigências e extravagâncias das vozes nasaladas, que chegaram os arcanjos. Dois dos mais fortes e decididos, pois os sacerdotes e adoradores do deus profano, mas poderoso, precisavam de ser guiados para a verdade.

Saí da extensão negra de coração pesado ao pensar nos dois arcanjos a terem que lidar com tanta iniquidade.

E cresceu a ira dentro de mim, ao ver que há pesos diferentes para a mesma medida. Pois se os profanos do futebol nada pagam para estar na extensão negra e o templo, qual a razão que os demais, principalmente os sem fins lucrativos e de solidariedade social, devem pagar o dízimo ao César da cidade?

Irmãos, esta não foi uma visão ou um sonho profético, foi das experiências mais chulas que tive que passar, o meu Armagedon pessoal.



Trocando em miúdos: não há paciência para tanto snobismo, petulância, falta de visão e de humildade. Não há pachorra para falta de gosto e de organização. E realmente dana-me a cabeça a ver esse desfile de vaidades e de  arranjos e declinações políticas, favoritismos e falta de tomates.

Apareçam

Rakel.


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