O cliché romantizado pelos filmes antigos e continuados pelos da Sessão da Tarde de invernos chuvosos... é Paris. Tida e havida como a meca do romance, onde tudo acontece com fundo de música, flores, beijo junto ao Sena... e felizes até ao fim.
Supostamente, o ideal seria um público amigo, ele com um joelho no chão, discurso sentido, anel em caixinha de veludo aberta mostrando o pedregulho reluzente, ela emocionada com olhos marejados de lágrimas, dedinhos a segurar o beicinho tremulante... e o sim emocionado. Muitos vivas, alegria geral, palmas e o ditoso casal selando o compromisso com um beijo apaixonado.
O esperado, é que a relação avance sem percalços, os dias passados entre beijos e juras, os passeios de mãos dadas, na praia nublada, nos jardins du Champs Elysees de uma Paris em Primavera. O sorriso a acordar, do primeiro beijo do dia, ela faz o café, ele barra as torradas com manteiga... e tudo são rosas, um paraíso na Terra.
Na verdade, os clichés acabam por acontecer. Vão à Paris, mesmo que não seja no auge da Primavera ensolarada e florida, abraçam-se nas fotos, finalmente cumprem o desejo há muito planeado de uma existência em comunhão de almas. Não são crianças enevoadas no reflexo dos filmes, deixaram fluir os sentimentos, as palavras guardadas e os gestos de carinho. Sem joelho no chão, sem propostas públicas. O certo é que, o que realmente é esperado num romance com pacote completo é todo esse ritual de apetrechos e acessórios. Todo parzinho que vá à Paris tira a tal foto em frente a Torre Eiffel de olhos brilhantes e sorriso aberto.
Noventa por cento das vezes, o que sobrevive ao tempo é a foto.
Há uns tempos, não muitos assim, numa conversa via mail, dizia eu que não via mal nenhum nas pessoas que fazem metas e depois não chegam ao fim. Quantas vezes atingem a meta e depois dão o dito por não dito, percebendo que afinal, não era bem isso e ficando só no: somos apenas grandes e bons amigos, deixando ele/ela completamente a nora do acontecimento. Atingir metas não será garantia de sucesso, de felicidade e muito menos ainda de que é o correcto.
Minhas senhoras, vocês que se impressionam com joelhos no chão e discursos sentidos, de beijos ao lado do Sena, do cadeado colocado na Ponte D. Luís, tudo isso poderá ser a coisa mais romântica da vossa vida, mas não há nada, absolutamente nada de garantido. Vamos lá ver isto tudo por um outro ponto de vista, sem derrotismos, sem azedumes e com muita lucidez: a vida muda, assim como as pessoas e as suas vontades. Há qualquer coisa que me amofina nessa questão de eternizar sentimentos, como se eternamente vamos ser sempre a mesma coisa, dia a pós dia, ano após ano. Tudo igual. Tudo sereno. Sem ponta de um amuo. Tudo Zeeeeeen... credo...
Cada um persegue a mesma coisa: a felicidade pessoal, encontrar a metade que os complete. E aí bate o ponto. Se não nos sentimos completos, inteiros, íntegros totalmente, não serão outros que virão acertar esse pedaço que falta.
Há de ser preciso que vos acompanhe, que sejam par e não a parte que falta. Que não se ponham de joelhos a pedinchar, mas que vos olhem nos olhos, directamente, sem desvios e tenham a certeza do que vos dizem. Sejam vocês completos, inteiros, seguros e de pé, aceitando adversidades, sabendo que nem sempre há flores e romance, há dias que a tampa solta-se, que não há paciência. Ele não acorda barbeado, ainda por cima rouba os lençóis e a maior parte do lugar na cama. Ela enche a bancada da casa de banho com uma infinidade de pós, cremes e pincéis, reclama da tampa da sanita e leva horas diante do armário a escolher o que há de vestir. Que tenham a coragem de continuar a pedir Super Bock, e não a Sagres que é da adoração do par. Se foi no conjunto do que é essa esfuziante personalidade o pontapé de saída dessa paixão, que não se desfaçam em jeitinhos e acomodações apenas para ser mais fácil seguir em frente. Metam na cabeça: ninguém é perfeito.
Apaixonem-se, façam esse favor, apaixonem-se, mas nunca percam o rumo pessoal, os gostos e o resto de toda vida que já teve. Houve outras pessoas sim, houve outros beijos e outros lugares, fazem parte do que são hoje, os que deixam boas lembranças... e aqueles que mais valia não ter sequer conhecido. Aprendam com os erros, aprendam a entender aquilo que realmente pode-se investir e apaixonem-se. Não peguem nos desaires e digam que nunca mais, que já vos chega de desilusões. Nem digam que só se enxergam sozinhos. Não neguem a necessidade de ter alguém ao lado, mas não contentem-se com qualquer um, aquele que é melhor que nenhum. Sejam perspicazes para enxergar que muitas vezes, aquilo que um só empurra não leva à lado nenhum.
E que principalmente, se forem inteligentes, se souberem a hora certa, que se acabe bem o que começou bem, para que, olhando para trás, possam ter ainda essa pessoa no rol das boas lembranças e ainda tê-lo como bom amigo/a.
Não será Paris o marco mais importante, não será o cachucho reluzente na caixinha de veludo, ou ainda a foto de dois sorridentes apaixonados que justificam amar. Poderá ser no momento, que no maior dilúvio, entre atrapalhações de chaves e chapéu de chuva, que a magia acontece naquela pequena centelha que se acende nos olhos dos dois. E o desconforto da chuva, dos pés molhados, o frio intenso passa, o mundo pára, e há um novo começo...
.. apareçam
Rakel.
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