Decidi há coisa de umas semanas atrás, escolher o que pode ou não irritar-me, aliás, definitivamente já pouca coisa me irrita, agora voto ao desprezo puro e simples todas as merdinhas sem jeito que me aparecem.
Por isso, de entre todas possibilidades de me darem no toutiço, eis que uma sumidade do universo familiar, desse resgate em jeito dos TFP (Tradição, Família e Propriedade) sobe no banquinho e debita uma data de pretensos sintomas "da cultura moderna" que... não, não me deixou chateada, mas sim perplexa pelo conteúdo falho.
O título começa logo de caras por ser inócuo: As Mulheres São Mais Felizes? A pergunta lançada ao ar deu-me logo ideia de que o senhor em questão, o que fez a crónica, de que aos olhos dele, nós não somos.
Entre as várias pérolas do método empírico deste senhor, ficamos a saber que nós as mulheres, ao sairmos de casa para trabalhar, mandamos abaixo os pilares de toda uma vida anteriormente matriarcal, e passamos a ser a latada ocupada pelos homens. Brutal...
No vai e vem do assunto que começou pela Lídia Jorge, acabo por perceber alguns pontos que deixaram-me atónita.
A mulher, esta malvada de coração preto e peludo, deixa o lar abandonado, vazio, obrigando os filhos a levantarem de madrugada para irem para as creches e infantários. Estas ingratas, que andam a correr por um melhor posto de trabalho, que investem na sua formação, ao mesmo tempo que a louça ficou por lavar, a roupa por estender e o puto do meio que continua ranhoso....
Como diria a Dona Hermínia; me desculpe, mas se ela é mãe ela não fez os filhos com o dedo, se é que me entende. Então, aonde anda o raio do pai dessas crianças, o companheiro de até que a morte nos separe, para o bem e para o mal? Ahhhhh.. pois, segundo o autor, esse coitado que tem que pegar as meias do cesto da roupa lavada, esse que tem que escolher sozinho a gravata, não teve o hábito de ver o pai a ajudar em casa e por isso, coíbe-se de fazê-lo. Com licença, mas a idade permite-me isto: Puta que pariu!!! O pai dele não tinha de certezinha computador, nem IPad ou Box para ver o Benfica, mas essa adaptação, tudo bem, é de fazer-se que um homem hoje em dia não pode passar por lorpa, mas pelo menos meter a louça suja na máquina e recolher a roupa é sinónimo de incapacidade cerebral????? Louça não morde...
E somos nós, vejam lá, estas estúpidas que trocam a esfregona e o limpa vidros pelas reuniões de equipa e gráficos de produtividade, as culpadas do adultério no casamento. Bonito serviço... quer dizer, somos nós, que depois de pegar as crianças na creche, de pegar autocarro ou mesmo no popó comprado as mijinhas, voltamos para casa, abrimos a porta e temos o jantar para fazer, roupa para recolher, banho das crianças, preparar as marmitas (sim, que nos dias de correm, marmita faz parte do nosso material de trabalho) para o dia seguinte... e o pai de família telefona a dizer que não vai chegar a horas... pois tem muito trabalho pela noite dentro. Como se o adultério não acontecesse há milénios... ah catano...
O que mudou no adultério? É que agora, não implica somente no lado masculino a procura do aconchego, agora a mulher também entra no jogo.
Pego então nas personagens de Gabriela Cravo e Canela, o livro, se me permitem, na Dona Sinhazinha, boa dona de casa, religiosa... aquela que o marido dizia: se prepare que hoje vou lhe usar, ela foi buscar aquilo que ele nunca lhe deu. O marido, Coronel Jezuíno, que ia ao Bataclã derrubar na cama alguma quenga, foi o mesmo que sentiu o orgulho ferido e matou a mulher e o amante. O mundo é isto...
Por causa deste nosso mau hábito de andar a trabalhar honestamente, de equilibrar as finanças e desta ruindade de andar de nariz no alto sem pedinchar dinheiro para comprar umas cuecas, é nesse desequilíbrio que nós, as mulheres que andam fora de casa que se espelham os divórcios, e por arrasto, os jovens a ver que isso não é fácil, não casam... vejam lá. É verdade, já não casam, juntam-se que sai mais barato e com menos chatice. E concordo plenamente com isso. Mas a culpa, lá está, é não cumprirmos o nosso papel de fadinhas do lar.
Provavelmente, a solução mais acertada, aquela que resolveria todos os problemas sociais e laborais, seriam as mulheres voltarem para o lar da vovó Eva, nesse sacerdócio abençoado de lavar, limpar, tricotar, dos jantares requintados, do amassar do pão, de engomar os colarinhos e das crianças, embora ainda ranhosas mas assoadas, enquanto os maridos, esse coitados, andam praí, a fazer os possíveis para trazer ao lar o sustento suado. Isso resolve tudo, nós as mulheres, se nos colocarmos em casa, sossegadinhas, fazendo as lides domésticas como manda a tradição, há de haver mais trabalho para os homens e assim, o mundo entra no seu equilíbrio divino.
Meu caro escritor/pensador/cronista, o queimar do sutiã vai mais além do acto em si, passa simbologia de que ser mulher vai além do apetrecho, do tamanho do cabelo e de qualquer alegoria que tentam colar nela. E de tantas mulheres que sofrem da violência doméstica, das muitas que não trabalham e estão em casa, mostram que o grande problema da humanidade não passa pelo facto de sairmos de casa para trabalhar, passa pelo medo que vocês carregam dessa competição onde já foram senhores. Meu caro senhor, durante a Segunda Guerra as indústrias não pararam pois as mulheres ocuparam o lugar dos homens enquanto eles andavam a matar e a morrer. Mulheres que foram e são Primeiro Ministro de seus países, Damas de Ferro, Rainhas... igualam-se as que depois de um dia de trabalho puxado, ainda arranjam tempo de fazer o fatinho de Carnaval do filhote, de ler um livro e pintar as unhas...
Não nos apontem dedos, façam como nós, adaptáveis e batalhadoras... não nascemos ensinadas, também aprendemos e me parece que vocês também tem a mesma capacidade, falta é a vontade...
Apareçam
Rakel.
* Boudicca: segundo as crónicas, foi uma rainha celta que deu água pela barba aos romanos depois da morte do marido. Tomou para si a responsabilidade de liderar o povo contra os romanos...mesmo contra todas as estatísticas.
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