Ausência de som, ou melhor dizendo, a não captação de som em determinado momento. Toda gente já teve aquele momento em que apertou o botão off, abriu a caixinha do nada e meteu-se lá dentro por uns segundos em total alheamento e silêncio absoluto mental. Depois é normal pedirmos à pessoa que estava a falar connosco, e sem dar conta do nosso alheamento, que repita a última frase. A última frase resume tudo.
Há alturas que a cabeça tira férias, vai passear por outros lugares por necessidade de puro e simples descanso, do seu momento Kit-Kat, da pausa do dia. E realmente não pensamos em NADA e não ouvimos NADA. Abençoado nada...
Não é qualquer pessoa que goste de estar em silêncio, complica-lhe os nervos chegar em casa, sem ninguém a espera e nada de som. Acabam por preencher este espaço com a televisão que fala sozinha, o rádio que não escutam, mas fica esse som de fundo a preencher a lacuna do nada.
Me parece, que as pessoas só valorizam o silêncio quando há excesso de sons, de um infantário inteiro em plena excitação, ou depois de uma noite de muita música numa qualquer party preto e branco e bem regada. Aí,deseja-se o silêncio para descanso do guerreiro e aliviar o cabeção da ressaca.
Estimam muito mal o silêncio, estimam muito mal os estados solitários e de contemplação. Na mesma medida que temos os nossos momentos barulhentos, de multidões ruidosas e de uma confraternização abundante, há que valorizar a ausência do som e os momento de contemplação do que nos rodeia. Fazem falta.
Percebemos melhor, nos momentos de silêncio, de muitas coisas, principalmente daquilo que não se diz.
Deram-nos o verbo e nunca mais nos calamos, desfazemos-nos em discursos jactantes ou monocordicamente desfiamos um rosário de infelicidades. Gritamos em exaltações futebolísticas ou ou no nosso repúdio pelo sistema. Murmuramos palavras doces ou lançamos palavrões entre dentes; somos criativos, inventamos palavras, tons e sotaques para melhor nos destacarmos dos demais.
Talvez por isso, de falar com tanta gente, de escutar tanta gente perambulando entre estilos e maneirismos linguísticos, me sinta tão confortável com os silêncios de alguns. Neste caso, a ausência de som não é uma manifesta ausência da pessoa em si. Dentro do grupo das "minhas pessoas" tenho os silenciosos, aqueles que não desperdiçam as palavras nem as acções. Ter uma grande amiga não implica que tenha que falar com ela todos os dias e fazer o relatório completo do que fiz, disse, comi e pensei. Há fases activas e fases mais contemplativas, Mas no geral, e socialmente, toda gente pensa que somos um tipo de manas siamesas e inseparáveis. Não é verdade. Ela não entra no meu espaço aéreo sem permissão e nem eu o faço sem antes pedir permissão à torre de controlo.
Detona-me o cérebro quando gastam palavras desnecessariamente, quando desvalorizam o que tem, quando reclamam quando não tem e depois reclamam do que conseguiram, mas vejam lá, não é perfeito. Essa insatisfação aleatória do ter ou não ter, do ser ou não ser, do pouco e muito, desgasta um bocado a minha satisfação em falar, em comentar. Poucos, raros são os que entendem que o meu silêncio não é descaso, nem desvalorização do assunto ou da pessoa em si. É que descobri mais prazer em contemplar, observar do que gastar saliva em conversa de chacha. Ando fartinha de conversa mole, sem jeito ou decalcada em cópia sobre cópia. Leiam, pelo amor dos deuses, abram os horizontes para mais do que lero-lero habitual... viagem, descubram coisas novas para fazer, saiam dessa letargia mental, se faz favor.
É então por isso que realmente gosto, estimo e acarinho os meus silenciosos amigos. Quando aparecem, quando falam das diferentes formas que existem, há conteúdo, não há desperdício de palavras e já sabem que as muletas habituais não servem para nada. Vão e voltam conforme lhes apetece, podemos passar um dia inteiro a conversar sobre coisas muito profundas e filosóficas, como gastar uma tarde inteira em besterol agudo. Depois desaparecem por uma temporada, falam por meio de outras linguagens, mas estão cá na mesma. Por isso eu digo: percebo-te melhor pelos silêncios, pela necessidade de isolar-se do resto do mundo e apreciar cada recanto, cada paisagem, e o sabor das palavras que não foram ditas. Elas estão lá, não precisam ser ditas, não foram feitas para serem ditas, mas entendidas e aceites.
Falam-me por fotos, e Zé Freitas é um dos mais prolíferos faladores por imagens; falam-me por músicas que me dão a conhecer. Dizem-me muito nos livros que emprestam-me ou indicam-me. Todos falam, mas por vias diferentes e palavras diferentes.
Agora...
As tuas palavras, uma vezes ácidas, noutras vezes simbólicas, carregadas de cepticismo outras de aceitação pura dos teus estados de alma, são a tua forma de comunicar. São a tua forma de estar na vida, entre silêncios, idas e vindas... mas com a tua presença constante. Também descobriste na fotografia uma outra forma de olhar e entender o mundo, mais uma linguagem.
Eu tenho o meu tempo de montanha, tu tens os teus, essa necessidade de escapar e ficar em pleno silêncio. E apreciar este silêncio da mesma forma que apreciamos os sons de uma música, ou apenas olhar o mar e sentir o cheiro salgado no ar. Já que conhecemos a importância das palavras, do poder que carregam, não soltamos-as todas ao vento displicentemente. Intercalamos com momentos de silêncios, pois isso engrandece tudo o resto. Respeitando os espaços aéreos de cada um e os tempos de montanha. E é tudo tão simples assim. O impossível é um lapso de tempo apenas...
No que o impossível é apenas um impedimento transitório que poucos enxergam e teimam em não aceitar, para mim o impossível é apenas o momento antes de descobrir a forma, a maneira, o que encaixa e faz sentido. E tanto faz a forma como se chega até se tornar possível. Se entre silêncios confortáveis ou entre estrondos de trovões.
E sei perfeitamente que entendes cada palavra que aqui deixei, mesmo que não diga tudo, disse mais do que o suficiente.
Rakel.
Comentários
Enviar um comentário
Estamos ouvindo