Luzes Na Noite ou Como Trabalhar Paga As Contas, Mas Tira Anos de Vida



Não consigo ficar indiferente aos pequenos detalhes, aos gestos mais discretos ou até as coisas mais... simples. Eu paro e fico com um sorriso tonto na cara ao apreciar coisas são vistas na maior parte das vezes como banais, desinteressantes e... desnecessárias.

Numa destas noites enganosas, em que parecia que finalmente o Inverno tinha ido embora, enquanto a noite caía mornamente e eu apontava nos céus já pontilhados de estrelas onde estava Marte ao meu filho mais velho, lembrei de uns anos antes, uns valentes anos antes, explicar-lhe as mudanças da Lua, as estrelas e tudo que riscava o céu.

Parece que há coisas que retornam na hora certa, porque nessa noite morna, nesse céu azul escuro limpo, com Marte a fazer oposição à Terra e um Vénus brilhante, a relva do jardim em frente ao meu prédio luzia com pontinhos verdes. Vagalumes, Cagalumes, Pirilampos, o que seja. E a última vez que os tinha visto foi quando numa noite morna num parque de campismo, explicava ao meu filho mais velho porque a Lua era diferente em alguns dias. E nessa noite, os vagalumes cortavam o ar, rodopiando na dança normal do acasalamento e enfeitando a noite. Levava na barriga o filho mais novo, sem poder mostrar-lhe ainda as luzes da noite.



Colocamos alguns num pote de geleia, e vimos como essas luzinhas verdes oscilavam, apagavam ou ficavam cada vez mais fortes. Soltamos depois todos eles  e aquele miudinho de quase 4 anos e com o porque colado na boca, ficou ali parado comigo (e estranhamente silencioso) a ver as pequenas luzes voando. Desta vez, depois de 20 anos, o miudinho era diferente: cresceu, barbudo, cabeludo, curioso na mesma com tudo que se passa no céu, seguidor de todas as descobertas dos telescópios espalhados pelo espaço sideral, ficou comigo também silenciosamente a ver quantos pequenos luzeiros enfeitavam a noite morna.

E são pequenas coisas, pequenos detalhes, corriqueiros e desapercebidos que nos marcam certos momentos na vida. Aparentemente, o que é insignificante em tamanho costuma ser o mais importante no nosso repertório pessoal de lembranças. São destas pequenas coisas que construímos as nossas lembranças. Fiquei em casa com eles até quanto consegui e não me arrependo disso...

... agora alinhavando horas seguidas, dias de semana com fins de semana com trabalho e mais trabalho, uns tapas na casa e no fogão, apercebi-me no feriado de algumas pequenas mudanças...

O mais novo de guedelha também farfalhuda contou-me que anda numa de banhos de água fria "ao estilo inglês" (que é nisso que dá ler Eça de Queirós) que é pra dar saúde (no meu tempo ajudava... noutras questões) mas para conseguir aguentar com a água fria, canta o "Twilight Of The Tunder God" um tipo de hino dos Amon Amarth para o deus Thor. O rapaz canta Viking Metal no duche de água fria... valhamesantagrelância...




Por outro lado, o guedelhudo primogénito entra pela sala de pijama (uniforme oficial cá de casa nos dias mundiais da preguiça) a dar banho à um saquinho de chá. Estranhei... um gajo que logo as sete da manhã comia cachorros com mostarda e ketchup anda agora a chá???? Pois, agora entrou numa de "cenas naturais" e desde que deixou de fumar anda nessa de chá sem açúcar, zero batata frita... e tão natural anda que agora aboliu a roupa de baixo. Segundo consta é para preservar os girinos do calor desnecessário da roupa interior.

E foi assim que olhando para os meus rebentos me dou conta do quanto cresceram, do quanto mudaram e de como herdaram algumas pancadas minhas. E tenho alguma pena de ir perdendo algumas mudanças mais, mas isso faz parte do negócio né?

Mas... as luzinhas verdes que dardejam (já pareço aquela tipa da Assembleia da República) os céus nas noites mornas, continuam aí para puxar das minhas memórias um miúdito de cabelos aos caracóis, cheio de perguntas... e outro a crescer dentro de mim.

... e como o tempo passa assim sem a gente dar conta?


Apareçam

Rakel.

Comentários