A Porta - A Teoria do Grunho Moderno



O conceito é bastante simples: há uma porta, ela abre e fecha pois é esse o seu papel, abrir  para dar passagem e fechar-se, para impedir a entrada. Dentro deste conceito bastante simples vamos pela lógica (gosto muito de trabalhar com a lógica) e tentar descobrir como a humanidade do novo milénio regrediu ao estágio "grunho", desacelerado mental ou idiota mesmo.

O caro leitor está então diante de uma porta, se puxar o manípulo e ela não abre, isso quer dizer que ela tem que ser empurrada para abrir. Se mesmo assim, empurrando a porta, ela não abre, significa... pois, está definitivamente fechada. Acrescentando o detalhe que, naquela porta, há um horário de abertura e fecho, o caro leitor certamente entenderá que, se ela não abre quando empurra, se ela também não abre quando puxa e há um aviso de abertura e fecho, isso quer dizer que... pois claro, a porta está fechada pois o horário assim o diz.

E há o grande problema que se coloca dentro do conceito Porta: é visível uma pessoa do outro lado da porta, ela está lá, depois do fecho, portanto, é abanar bastante a porta, é ignorar o horário estabelecido, fincar o olhar a tentar ler (e eu bem vejo os lábios a mexer em jeito de alfabetização a três pancadas) de olhos franzidos, o que a mente não quer perceber: fechou, encerrou expediente.

Mas... há algo que essa pessoa, o empurrador de portas grunho, quer bastante ter, aquele espetáculo, aquele sapato ou então, outra coisa qualquer, que na sua falta viveu-se tão bem, como viverá futuramente se não o tiver naquele exacto momento. Mas eles, os grunhos modernos, olham e vêem que alguém está lá dentro, querem muito aquela coisa e abanam a porta até os limites da resistência dessa desgraçada. Quem está lá dentro, que já ouviu a primeira batida (empurrou) a segundo (puxou) e continua a ouvir esse vai e vem insano, salta-lhe logo a tampa da paciência. No percurso até chegar a porta conta até 30 em Esperanto para ver se a calma chega nesse exercício mental. Abre a porta, diz Boa Noite e ouve do grunho moderno:

"Já está fechado?"

......................

Sinceramente, esta que vos escreve normalmente tem resposta pronta para perguntas idiotas, mas para dizer a verdade, a educação que recebi impede-me muitas vezes de dizer aquilo que me vai na alma. Respostas merecidas. E o que mais lamento ainda, acima de tudo, é pensarem que eu faço "jeitinhos".  EU+JEITINHOS = 0.  As pessoas conhecem-me muito mal, direi até que avaliam mal a minha simpatia e tomam-na por tontinha, invertebrada ou manipulável. Eu... fazendo jeitinhos... só visto.



Mas não pense que de facto, o grunho moderno só se fica por ai, no mesmo problema de um chimpanzé diante de uma porta a ver uma banana do outro lado. Não... vai além disso. Há claramente uma má avaliação de quem é grunho. Normalmente, olhando de longe muitos julgam que os grunhos são os iletrados, os menos abonados financeiramente, os que se vestem de forma simples... e não é. O grunho moderno veste bem, roupa de marca, mostra sinais aparentes de riqueza, fala com voz nasalada, não diz boa tarde nem boa noite. Estaciona mal e porcamente o SUV ou o modelo recente de carro topo de gama na porta, joga a malinha dos cavalos em cima do balcão, tilinta com a fancaria que tem nos braços e debita exigências. Regateiam como se estivessem na praça do peixe, reclamam do preço, dos lugares bons que não ficaram a espera deles/as... e são indubitavelmente mal educados.

Há os grunhos reformados, no caso, licenciados, que pensam que podem tudo já que atingiram esse estatuto pela idade. Uma fila imensa, três velhas corocas cacarejando ao meu balcão enquanto uma fila imensa chegava a... porta, a tal. MEIA HORA para decidirem o que queriam, e enquanto isso ouvi o que a sobrinha da irmã da colega fez, os males de esquecimento de outra e aonde-a-minha-carteira-está de outra. Exigem, porque assim pensam, que eu tenho que lhes fazer as vontadinhas todas pelo bem da idade deles.

Há uma que me diz que teve ajuda para subir com o carrinho de bebé as escadas do estabelecimento onde trabalho, mas que precisava para descer novamente depois de atendida. TODA FILA OUVIU, mas ninguém se ofereceu à isso. Eu, tive que sair do meu posto, ajudar a senhora em questão enquanto toda fila fazia cara de enfado de ter que esperar mais um bocadinho pela sua vez. Verdadeiramente "emputecida" até ao tutano pela má educação dos presentes, agradeci pela ajuda prestada e voltei ao meu lugar. Agora de cabeça fria, a escrever este post, deveria ter ido até ao chaveiro, em passo de caracol manco, pegar as chaves de acesso à rampa para a senhora sair com o carrinho de bebé, voltar num passo ainda mais lento ao chaveiro para restituir as chaves. E que se fodessem os enfadados... e mal educados da fila.

Os grunhos, são a maior parte das pessoas que só enxergam "os meus direitos" e entendem pouco ou não querem entender que também há deveres: morais, éticos e humanos. Há um recalque do exigente que vê naquele que lhe presta um serviço uma maneira de destilar o seu recalque pessoal. Quem atende, por mais bem educado que seja, não presta vassalagem. Atende, é um profissional. Não faz jeitinhos, cumpre regras. Obedece horários, não facilita ao cliente que não cumpre.

Numa destas noites, a Catekista, uma amiga minha, veio ao meu balcão e pôde ver como as coisas decorrem, a interacção entre esta que vos escreve e o cliente. Gabou-me  a paciência e viu e ouviu in loco as coisas interessantes que lá se passam... entre quem entra e sai por aquela porta. Felizmente, e só por isso mesmo, na qualidade de advogada, ela poderá entender e talvez, quem sabe, defender a minha causa, num dia que me salte a tampa e me passe da marmita quando uma tipa armada em tia rica pense que o meu balcão é uma banca de Istambul ou o Mercado do Bulhão.

E eu olho para a porta, aquela que dá entrada, e vejo entrar e sair pessoas que me surpreendem tanto pela positiva, como pela negativa. Mas, sinceramente, cá do fundo do meu coraçãozinho cínico e sarcástico, o que vejo muitas vezes entrar pela minha porta, são grunhos piores que os chimpanzés que me consideram o meio de chegar mais facilmente até a desejada banana...

E o conceito continua simples, se a porta não se abre quando empurra ou puxa... é que já estamos ENCERRADOS.


Apareçam

Rakel.

PS: outro conceito que tenho uma certa dificuldade em explicar aos clientes é... que só existe uma primeira fila... assunto a debater posteriormente.

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