O Cupido Também Usa Jeans



Vamos começar com um já nosso conhecido era uma vez...

Era uma vez um imperador chamado Claudius II que governou Roma entre 268 e 270 da nossa Era, um general que não durou muito pelo que se vê. Este senhor como muitos que governam, tem ideias geniais e tiradas sabe-se lá de onde. Decidiu numa ideia luminosa que, quantos mais solteiros houvessem disponíveis, mas soldados teria para continuar a defender Roma e o império. No caso, devemos de lembrar que um soldado, nesse caso um legionário, teria que servir por pelo menos 10 anos até poder ter permissão para depois casar e constituir família. Os casados não faziam parte do assunto, embora não fosse nada do outro mundo o concubinato. O caso é que infelizmente, Claudius II não entendeu que apaixonar-se ou estar apaixonado e casar não querem dizer a mesma coisa e que muitas vezes, o próprio casamento já em si é uma guerra.

Decidiu então este senhor fazer lei de proibir os casamentos, assim sobrariam solteiros suficiente para as legiões. Não há nada que seja mais delicioso que a contravenção, que provar o proibido e fazer um dedo médio espetado para o "não pode". Daí que um certo Valentinus, um romântico empedernido, e pasmem, um bispo romano, decidiu começar a casar em segredo os casais que o procuravam. Numa clara postura de herói novelesco, com o lema "O Amor Contra Tudo", tentava assim driblar a lei do imperador. Tenho até a convicção que Valentinus foi o percursor da frase que os Hippies popularizaram a partir dos anos 60. Casou apaixonados pela coberta da noite, abençoava as juaras de amor... Até ao dia que foi apanhado e preso.



E o povo levou as mãos às cabeças, tristes que só visto, vejam lá o pobre bispo que ousou desafiar Claudius II levou com a pena capital e metido no cárcere...
Na falta de um FaceBook, onde as pessoas criam páginas solidárias de tudo e mais um par de botas, os jovens enamorados, sabendo que este bispo rebelde iria morrer, atiravam entre as grades da prisão, pequenos recados, flores e outros presentes ao estilo : "Valentinus, estamos contigo!!"  Fosse nos dias de hoje e haveria quem trocasse a sua imagem de perfil pela efígie dele, colocariam postais delicodoces com gatinhos desenhados e com muito brilho, gliter e borboletas esvoaçantes. Enfim, outros tempos.

Uma certa menina, donzela e ceguinha, chamada Astérias, (nome do catano, mas óptimo enredo para novela mexicana) , filha do carcereiro onde Valentinus esperava pela pena capital, pediu muuuito ao pai para ver o bispo subversivo. Palavra vai, palavra vem, e aquilo que os olhos não podem enxergar a alma alcança e enamora-se ou quando nos apercebemos que perdemos tantas oportunidades na vida por causa de rigores pueris e cretinos e uma certa dose de egoísmo, e aquela perspectiva sem escapatória, a de que não somos eternos, fizeram com que Valentinus e Astérias ficassem em Gravidade Zero um pelo outro. Paixão assolapada, amor pegado de estaca. Desse amor condenado a um prazo de validade resultou que, milagrosamente, Astérias ficasse curada da cegueira (é mesmo um bom enredo de novela) vendo pela única vez o rosto do seu primeiro amor...que iria morrer.

Segundo consta, ou conta a lenda, ele chegou a escrever uma carta pejadinha de sentimento e muito, muito amori, arrematando com um final arrasador : "Do Seu Valentinus." Nada de cartas ao estilo Soror Maria Alcoforado (um tema que ainda espero vir a desenvolver melhor), mas foi no mais singelo estilo de quem abre as comportas cardíacas e deita cá pra fora uma imensidão de tudo que sente e não pode viver.

A parte mórbida da questão é que... o dia em que se comemora o dia dos apaixonados, enamorados e afins é o dia em que ele foi decapitado - 14 de Fevereiro de 270, o que já de si não abona um momento romântico. Portanto, o dia dos namorados é aquele dia que se perde a cabeça (trocadilho infeliz, eu sei).

Por estas e outras questões, não acho piada nenhuma a dedicação e troca de mimos numa determinada data, o jantar especial, a saída para um retiro romântico só no dia que o tal bispo ficou sem cabeça. Acho que o romantismo não se faz num dia por ano, nem as declarações assolapadas de amor eterno (enquanto dure) nem os pequenos presentes são melhores em dias marcados. O romantismo se faz um pouquinho em cada dia, intimamente, dedicado tão somente à aquela pessoa que se torna tão nossa como pode ser ou que ela permita que assim seja. Quantas birras, beiço descaído ou tremulante acontecem só porque no dia 14 de Fevereiro não recebeu uma prendinha do dia dos namorados... e o resto do ano, não valeu nada? Já agora, porque quando casam o namoro acaba, quando deveria continuar... já que o amor é até que a morte nos separe? Perguntas... eu sei, e porque raios só rosas vermelhas??

Na ausência física de um amigo que neste momento está fora, vi-me aqui metida em cenas de cupido e de Valentinus. Uma semana de neura, porque não queria que oferecesse à donzela rosas, mas tulipas negras. Cai uma valente tempestade aqui no país e as estufas ficam em pantanas, todas elas preparadas para o dia dos namorados em modo de "são rosas senhor"... só rosas. Eu no lugar do sujeito em danças e reviranços me vi não só na encomenda como na entrega... será contraditório da minha parte isso tudo? Ajudar num dia calendarizado e tal e coisa? É um amigo meu, daqueles raros de encontrar, então um pedido tão simples como esse não me custa nada. Eu não me sinto com poder de impor a minha linha de pensamento pra ninguém, uma coisa e aquilo que eu penso e gosto, outra é aquilo que os outros pensam e gostam. E para me respeitar tenho que respeitar os demais.

Namorem... mas namorem todos os dias, ok?

Apareçam

Rakel.

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