Não vou aqui desfiar as sombras maléficas que a "minha" cibernética tarologa/adivinha/iluminada coloca em jeito de ultimato e que para a sua benéfica obra resolver tudo, tenho que despender umas quantas centenas de euros ou dólares. Náaáááá, nada disso, até porque o último aviso de ajuda já ronda no 350 e tal e parece aquelas despedidas de palco de cantor em fim de linha. Nunca é o último.
A mística é outra ou outras nesse caso.
Quando se fala em mística, salta logo na nossa memória colectiva a noite escura, enevoada, um piar de coruja ali, o voo do corvo acolá e a sensação de medo retinindo sob a pele. A mística aparece sempre associada à qualquer coisa menos boa, fatalista e lúgrebe, quando na verdade é apenas um mistério, algo que não é visível a primeira vista e nem entendida logo de caras. É algo que leva o seu tempo a ser notado e compreendido.
Muita gente usa a palavra para também denominar o seu lado espiritual, já que há uma certa excitação pelo simples facto de ser algo envolto em um mistério pessoal. É aí o X da questão. Toda mística é pessoal.
Cada um carrega o seu mistério, o lado oculto que não deixa ninguém ver ou dá apenas pistas leves, deixando transparecer que há algo mais do que se mostra à superfície. Há mistérios muito nossos, coisas que alma entende o cérebro descodifica mas fica travado pela boca e morre nas palavras.
Explicar o inexplicável, dar corpo, cor e som ao que somente se sente cá dentro, que faz dançar o sorriso na boca e o arrepio súbito na pele, será talvez, o maior jogo mágico. Há atracção pelo medo e perigo ao mesmo tempo que uma certa necessidade de resguardo, de distanciamento. Somos ambíguos, paradoxais e mesmo assim, desafiadores de limites. Isso é mística de vida... e talvez...
Todas as coisas pequenas, simples e muito pessoais, as que nos dão prazer, as que nos acalentam, as que nos fazem tão bem e sem explicação plausível... é mística pessoal e tem memória. Pensem no primeiro beijo, aquele que foi fantástico pelo que sentiu-se na altura, mas que a ver bem, nem foi assim grande coisa, mas tem seu quê. Aquela sensação de chegar em casa, morta de calor, cansada como tudo, tomar um banho, roupa (ou ausência dela) confortável, chegar na cozinha e arrebatar aquela latinha de cocacola gelada e beber meia lata numa assentada... e sentir aquela sensação quase orgásmica :) ou viver a plenitude desta maravilha que é a Gravidade Zero* ... é um mistério nosso.
É isso, aquele pedacinho de mistério que cada qual guarda de si, que muitas vezes nós mesmos descobrimos que temos já passados muitos anos. Hoje, nesta partilha contínua de like e dislke, de por dá cá aquela palha, fotografa-se o prato de comida, a foto de cima para baixo (que ajuda a emagrecer) de cada minuto da vida a ser exposto, a mística anda fraquinha... ou completamente falseada. Não é raro acontecer de uma pessoa jogar logo de caras, quando pela primeira vez conhece alguém, todos os trunfos. Não fica nada por descobrir, não sobra grande coisa por desvendar.
Há uma sede de exposição e ao mesmo tempo de necessidade de atenção e de ser único, que briga muito com aquilo que seria a mística dos afectos. Gosto quando as pessoas preservam o seu lado afectivo, quando dão à ele o seu lugar justo, quando preservam a intimidade. Há praí tantos amores eternos e de capa de revista que acabam, com já vimos, na maior baixaria... para quê?
Tudo que é muito fácil, muito exposto, não gera necessidade de aproximação. Qualquer pessoa tem atracção pelo inexplicável, é a base da nossa mente dita desenvolvida. É verdade, hoje não somos bem orientados na arte de pensar, oferecem-nos o mundo parcialmente mastigado e pronto a engolir. Seja a comida que só precisa juntar água até as ideias e os movimentos sociais.
Mas há tanto de inexplicável como de paradoxal essa promessa de mística na vida, em cada ponto pequeno e oscilante de luz no meio da sombra e da inevitável janela da imaginação. Será destino ou um grande desatino? Será a perseverança ou mais vã e louca esperança? A mística da vida, dos sonhos, do tangível e do que nos escapa pelos dedos.
Se há a mística pessoal, aquela muito própria de cada indivíduo, o que acontece então quando se junta com aquela mística imparável do Universo? Aquela que por muitas equações e fórmulas matemáticas se façam, continuam a fascinar e a oscilar entre a fantasia e a realidade?
Deve ser por isso que não acho grande piada essa coisa que muitas vezes procuram de saber do futuro, de como vai ser daqui para frente dos amores, do dinheiro e da saúde.Por mais voltas e batotas que se façam, cada coisa tem o seu lugar, o seu próprio código e a sua hora. Nada acontece por acaso, e é aí mesmo que reside a mística. Tudo conjuga-se, alinha-se no devido tempo, e não adianta forçar, maquinar e encontrar atalhos.
Porque as pessoas que vamos conhecer durante a nossa vida, a forma como nos vão marcar, ficar ou sair dela, fazem parte desta tal da Mística. Chamem-na de Destino, Acaso do Caso, simples Coincidência, mas a vida é mesmo feita de grandes momentos, e todos eles, sem excepção, são imensamente importantes.
Apareçam
Rakel.
* Gravidade Zero - termo que utilizo quando alguém está numa certa fase da vida. Assunto a desenvolver mais tarde.
Bom dia Rakel,
ResponderEliminar..."A mística é a embriaguez
de quem provou o infinito".
Chegou-me esta frase de Valter da Rosa Borges.
olá Miocárdio...
ResponderEliminarTarde e más horas te respondo... provar o infinito não será apenas tocar o que se julga fora do alcance e sentir-se único só por isso?
... acho as místicas pessoais tão fascinantes...
...e são fascinantes, sim, como enigmas por desvendar.
ResponderEliminarTalvez também o infinito tenha a sua própria mística, porque na sua infinidade nunca será desmitificado.
Bom dia Rakel