Be a Boss



Uma pessoa entra no supermercado, munida de carrinho, uma lista mais ou menos pra seguir a risca e com tempo, motivo para comparar preços e promoções. Chão limpo,corredores com prateleiras arrumadas, música de fundo e zero de fila nas caixas.

Pensei eu cá com os meus botões que uma relativa paz vinha mesmo a calhar... até ao momento que ao meio de um corredor ouvi uma voz alterada, decibéis acima da música de fundo e do murmurar das rodas bambas do carrinho de compras. Espectáculo lamentável desenvolvia-se a bom ritmo na banca da peixe. Nada de peixeiradas de mulheres com mãos trancadas nas ancas e voz roufenha de linguajar pesado. Nada disso, uma chefe de secção a dar a maior descompostura numa funcionária na frente dos clientes... todos os que haviam, mais aqueles que por estilo mórbido vinham de outros lugares para ouvir.

Já tinha ouvido há uns meses atrás a mesma coisa, com outra funcionária e o gerente de loja. O homem até mudou de cor, tanto berrava com ela na frente de toda gente e sem possibilidade de defesa, mas pelo pouco que a moça disse, ela apenas tirou o casaco de um vistante VIP de onde estava, para não ficar cheirando a peixe. Mas o gerente de loja estava-se nas tintas e os ditos VIPs ficaram ali, apreciando de forma covarde e imoral a humilhação pública da moça. Cá comigo pensei que, se a moça tivesse dois dedos de testa, a partir desse dia estaria-se a cagar pelo fato do caso de qualquer VIP ficasse ou não a feder a chicharros ou com uma alforreca em cima.

Os dois episódios passados numa das lojinhas do Tio Belmiro é no mínimo degradante. No primeiro, dada a minha pressa, não pude fazer mais nada do que sair daquele espectáculo vergonhoso. Desta vez, larguei o carrinho, fui ao balcão central onde ficam sempre funcionárias que conheço há pelo menos uns 15 anos e expliquei que, se fosse necessário dar uma reprimenda à um qualquer funcionário, que fosse feito fora da vista dos clientes, que se fosse necessário, eu esperaria que o espectáculo acabasse e falaria directamente à chefe de secção sobre a minha opinião. Encavacada e sem jeito, a funcionária do balcão central agarrou logo o telefone e pediu desculpas pelo sucedido e que logo estaria tudo resolvido. Salientei o comportamento anterior do gerente de loja e a forma lastimável como degradavam os funcionários.

Isso de ser chefe tem muito que se lhe diga, e uma coisa sempre foi motivo de observação minha: dê um uniforme com um crachá ou um cargo de chefia à um frustrado e temos um Hitler em construção. Tanto no berreiro como no mau feitio. E sabe-se lá porque motivo será, mas cargos de chefia cabem sempre na mão de uns frustrados, ou ser chefe leva à frustração e aos comportamentos abusivos. Saber mandar, liderar é uma arte para poucos, onde na maior parte das vezes o cognome chefe atrela à si o mau feitio e a necessidade de humilhar publicamente o elo mais fraco.

Sou franca, já bati de frente com as hierarquias, tanto pela falta de visão da realidade como por essa necessidade de querer rebaixar publicamente os subordinados. A cena do: eu quero, posso e mando é quase um lema pespegado na testa do infeliz que se adoma ao lugar de chefe. Aceito isso de quem arregaça as mangas e se junta ao molho no trabalho, aos que fazem tantas ou mais horas que os demais, aos que tem a verdeira noção da realidade.

Há uma par de anos atrás foi quase que constante esse embate velado entre eu a chefia, e fiquem certos que, lugar onde tem muitas mulheres a trabalhar.... dá merda. Na nossa sala de descanso, todas falavam do seu palanque as suas verdades que acabavam por murchar logo assim que chegava uma reunião. Um silencio brutal, de se ouvir mosca se conçando, na invariável pergunta: "alguém que dizer alguma coisa?"
Fatalmente, não fiquei muito popular para a chefia, sendo a única a dizer alguma coisa enquanto o resto olhava para as rachaduras do tecto.

Eu não tenho nada contra quem manda, eu tenho é contra quem usa a posição para se sentir mais gente e escolhe momentos em que há platéia para sobressair. E aí salta-me a tampa da marmita e acabo por humilhar tão bem como foi a tentativa contrária. Falando sério... tenho mal mandar, não quero essa honra (nem quero essa responsabilidade) e é preciso saber fazê-lo, como se costuma dizer, não é qualquer um que tem cabeça pra coroa e ombros para manto.

Pensando nós em quem nos manda, na soberania dos que, em princípio, tem o dever de escolherem a justiça, ficamos a saber que agachados ou acocorados estão perante  os países na sombra. O mesmo que nos espiolha, o mesmo que nos influencia de maneira calhorda a economia, que manda cá pra fora boatos e "estatísticas" que nos mandam abaixo da tabela mundial e que exigem que o avião do Evo Morales não sobrevoe o nosso país. O mesmo que dá a dica de não receber com dignidade o Dalai Lama e que faz vista grossa às atrocidades no Tibet. Não temos chefe de estado, não temos líderes competentes, mas apenas um sub-chefe de loja que grita em plenos pulmões, com bastante gente a assistir o quão exigentes são com a funcionária, fim da fila hierárquica. É disto que o mundo é feito: um supermercado onde tudo se vende e compra, um frustrado engalanado em chefe, mas que na verdade, na vida real é um pau mandado.

E que fique claro, não é uma reclamação. É uma constatação.

Apareçam

Rakel.

Comentários