E Solta-se o Verbo



Há uma diferença abismal entre aquilo que a gente pensa e aquilo que geralmente sai das nossas bocas. Há lá em cima, no meio da testa, um filtro que segura a maior parte das nossas emoções e que aprendeu, a custas de muito raspanete e dedo apontado no nariz, tudo aquilo que pode ou não ser dito. Terá certamente um fim próprio, uma necessidade imperiosa de que assim seja, já que somos animais gregários e sociais. Então o tal filtro usa de uma data de figuras de estilo, subterfúgios, eufemismos e outros refúgios gramaticais que escondem e camuflam a verdade: um mal educado é uma pessoa com "personalidade forte", uma pessoa sem espinha dorsal e covarde é "uma pessoa pacífica", ou uma pessoa que passa por cima de tudo e todos, que faz esquemas que lixam os demais e tentam salvar o próprio rabo é um "empreendedor".

Deve ser do passar dos anos, será certamente da minha idade, mas com toda certeza já falta-me lá em cima o tal filtro há que tempos. E entre aquilo que eu penso, aquilo que eu escrevo e digo já não faz diferença nenhuma. Acho que a fase dos tapinhas nas costas e dessa coisa toda do "deixa estar que as coisas são assim mesmo" tem os seus dias de validade. No meu caso, venceu de vez. Já não é raro o caso de quando eu penso em voz alta sem me dar conta e digo exactamente aquilo que penso, que mesmo embora seja verdade... não cai lá muito bem na opinião geral. E como já disse anteriormente, não estou nesta vida para agradar mais ninguém do que à mim mesma.

Eu, que no sábado passado fui trabalhar lá pros lados da Feira Nacional da Agricultura em Santarém, senti um certo vazio no estômago e fui abastecer-me de calorias: uma simples cola de lata e um folhado misto... Compreendo que as pessoas precisem fazer pela vida, aceito que são tempos difíceis estes pelos quais estamos a passar, que toda feira ou evento serve de mote para conseguir amealhar "alguns trocos", mas oportunismos é que não. Quando comecei a falar na caixa de pré-venda o que queria e bati os olhos no preço da latinha de cocacola a UM EURO E OITENTA CÊNTIMOS, fiquei sem voz, o tipo olhou para mim e perguntou se queria mais alguma coisa... e saiu.



Respondi que tinha ficado sem fala com o preço da lata de cola, disse que era um abuso descarado e que quando apareceu o preço do folhado perguntei se não tinham vergonha de tanta exploração. Isso era roubo. Verdade seja dita, o tipo desviou os olhos e ficou com as bochechas todas vermelhas... sinal de vergonha da exposição pública da falta cometida ou rebate de consciência? O que é certo é que ainda o olhei nos olhos e disse que deviam ter vergonha na cara. E este, senhoras e senhores, era o bar mais em conta - imaginem os demais.

Podem os comerciantes queixarem-se a vontadex do que se passa no âmbito comercial, da falta de clientes e dessa coisa toda da culpa do desGoverno. Mas senhores, com oportunismo desta magnitude não vão ganhar mais pontos. Sem esplanada, sem luxos nem empregado de mesa, e me pedem uma escandaleira de preços destas..?

Aos que em casa ficam a remoer o mau atendimento num consultório ou hospital, o corte horrível de cabelo, o nariz da família nos seus assuntos privados e particulares ou até o preço escandaloso do mecânico que deixou o carro na mesma... façam mais do que a figurinha lá de cima que pensa muito mas verbaliza nada: ponham a boca no trombone e soprem. É que essa coisa do Nacional Porreirismo levou-nos ao buraco onde nos encontramos. Sem gritos, olhando nos olhos, digam o que pensam... de verdade. Essa coisa de escapatórias gramaticais e ficar discursando com o frigorífico sobre os preços dos bens alimentares... não funciona mais. Reclame, exponha.

Apareçam

Rakel.

Comentários

  1. Bom dia Rakel,

    É importante sim, dizermos o que pensamos, defender o que nos vai na alma, ou corremos o risco de, quer como esta esta ou outras situações, ficarmos entulhados e "morrermos" de morte lenta, por asfixia.

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  2. Boa tarde Miocárdio,

    Dizer o que vai na alma, as nossas indignações e afins pelo menos mostra até que ponto não andamos a dormir e sedados pelo comodismo... ou a espera que tudo se resolva por si mesmo. Seja o que for... dizer. Porque algumas coisas até são ansiosamente esperadas; outras pela sua surpresa surtem efeitos surpreendentes. E se há coisa que mais valorizo... é que a vida e as pessoas me surpreendam. Não tomar nada por garantido é a melhor aposta.

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  3. Sim, é verdade...e, ou é impressão minha ou andas surpreendida positivamente em alguma área da vida? ;)

    Estou a "brincar" contigo Rakel, mas assim o espero.

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  4. Olha, gostaria de poder te dizer que me surpreendem mais pela positiva, mas não é o caso. Mas até nisso vejo algo de positivo: não me sinto enganada, já as antecipava. Mas no que de bom acontece, sem estar a espera, embora não sejam muitas, são significativas :) e mais uma vez reforça-se a máxima - nada acontece por acaso.

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