São As Flores?



Não posso queixar-me do que a vida vem me oferecendo nos últimos tempos, de facto, a cada dia que passa surpreendo-me com as constantes variações de temas e "sabores". Vagueio numa alternância entre momentos de montanha* e os banhos de multidão, sendo que uns compensam e equilibram os outros na sua justa medida. Não me queixo, aprendo em cada particularidade as coisas que oferece-me, entendo a sua valia e tento olhar pelo melhor prisma.

Acho que já se deram conta que, por esta altura, vejo-me num virote, já que a minha actual ocupação exige uma grande entrega em termos de tempo e trabalho. A Feira Medieval de 2013 está aí a porta e estamos todos a dar o nosso melhor. Vejo-me diante do privilégio de trabalhar numa área que gosto,com gente muito fixe e ainda por cima, para a cidade que escolhi como minha.

Essa é uma das coisas que pouca gente tem como ganho: escolher o seu lugar. Uns, por comodismo, ficam-se pelo lugar onde nasceram e fizeram por crescer. Outros, por motivos profissionais, escolhem mudar-se para aonde possam ganhar mais. Da minha parte, vivo numa cidade que, apesar de longe da "capital", oferece-me aquilo que gosto: um bom ambiente, muito verde e actividades diversas.

Há dias loucos, há dias insólitos e dias de reflexão. A verdade é que não conseguimos agradar à toda gente e certo e sabido será que andamos meio que balançando no trapézio que é a vida. Momentos que nos fazem acertar o passo, atender ao nosso eu interior e relevar o que não podemos mudar. Em nós e nos outros.



Momentos insólitos: comigo é quase como respirar, desde um " eu não compactuo com representações de inquisições e momentos negros da nossa triste história"  até a uma muito amarga senhora que dizia dos filhos "se quiserem cá vir... que venham, eu não tenho que andar para aqui a antecipar seja o que for" (e não me admira nada o facto dessa senhora ser tão mal encarada).
Hoje, enquanto descansava os pés e mirava as bolhas que, oh senhores, nasceram só pra me aporrinhar, vi uma mocinha passar numas socas altas e de meias de vidro numa saia vaporosa. Uma senhora com um vestido preto e vermelho, com gola subida e cheia de folhinhos... estilos e maneiras de ser que já nem discuto mais. Até porque hoje fui vítima da minha própria sacanice.

Uma das coisas que somos obrigados a admitir é que, quando estamos conscientes do que realmente somos (e isso não é assim do pé pra mão) temos um estilo. Temos uma marca registrada e todos nos conhecem por isso mesmo: o modo como falamos, vestimos, andamos e encaramos a vida. Eu tenho o meu estilo, onde sinto-me confortável, e que hoje se traduziu na forma de que realmente sou assim.

Como disse antes, o tal do meu trabalho agora exige que estejamos de corpo e alma na Feira Medieval, e como a minha chefe tem um sentido de humor um pouco macabro ou retorcido como o meu, resolveu mandar-me escolher um vestido para ajudar nas divulgações do evento em si. Caso bicudo, até porque o meu dedo mindinho esquerdo adivinha sempre quando chega alguma embrulhada e... mais uma vez acertou.

Minha colega de há 2 meses para cá estava no local do "guarda roupa medieval" e entusiasmou-se ao poder escolher para mim o vestido em questão. Valhamesantagrelancia...

"Quero ver-te com um tom claro, uma coisa leve" dizia ela "Mas se calhar preferes algo preto, não é?"

Preto tudo bem, mas com tecidos pesados é que não, pensei cá com os meus botões.

Experimentei um que pareceu-me que serviria e as cores não eram más... até olhar para baixo e ver os meus tornozelos e as sapatilhas AllStar a sair do rodado da saia. Mau sinal. Parecia uma dama medieval com problema de tiroide ou uma dama devassa com os pés a fazer de chamariz, o que me faz pensar que só fizeram fatos para gente... baixinha. Final do dia, cansaço ao cubo, morta de vontade de um banho e sossego... peguei no vestido que seria para hoje e fui embora. Mas fiquei pensando naquilo que a minha colega disse, no mudar do estilo. Então hoje de manhã, cá a Rakel pensou: quer mudança? Ok, aqui vai: a Rakel meteu-se uma túnica leve e florida, numas calças cremes e numas sabrinas (e mete lá uma rolha ó gajo dos saltos altos) floridas e fui a toda velocidade encontrar-me com a minha colega... que não me reconheceu. Ora toma lá esta... eu bem digo que não tenho gáspia para estas cenas Peace and Love.

Fui durante o caminho a ouvir que, realmente, o meu estilo do dia a dia condiz mais com a minha maneira de ser do que aquela mudança radical de túnica e floral. E isso só resulta no que eu já andava a cogitar há uns tampos. Eu sou eu, nem idade, nem condição maternal, horóscopo, estatuto social ou a própria sociedade consegue mudar aquilo que tenho de maior e melhor: a minha maneira de ser e estar na vida. Não é uma questão de querer parecer diferente... ou uma forma de achincalhar a sociedade. Eu sou assim.

E não há nada mais libertador, que nos dê maior conforto, do que ser o que somos e sem ter que justificar o porque. Simplesmente... salta a vista. Daí que por muita máscara que se coloque, no fim das contas, o que conta é aquilo mesmo que somos. E no mais, não estou aqui para agradar mais ninguém... do que à mim.

Ahhhh.... pois é, não há foto com vestido medieval...  

Apareçam

Rakel.

*momentos de montanha: momento necessário de afastamento do cotidiano para que a gente tenha tempo de pensar e encaixar as peças todas. Pode durar um fim de semana como uns meses.

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