Banho de Natureza



O dia não começou famoso, não senhores, dia de chuva miudinha, sem frio e nada de calor, céu pálido e sem um sorriso do sol para brindar o Dia da Espiga. Certo e sabido que, faça chuva ou sol, cá a Rakel dá corda aos pés e vai a procura das plantas para compor o ramo. Faço-o lembrando das minhas avoengas, a minha bisavó e a minha avó, ambas mulheres do campo(do Alentejo) que sempre se socorreram das virtudes e propriedades das plantas, a farmácia natural ao dispor delas.

Nos tempos que correm e dado aos preços das consultas e comparticipações, uma pessoa tem que se defender como pode, e assumo que uma das prateleiras da minha despensa é feita de frascos e sacos com uma boa quantidade de ervas e raízes que servem para de tudo um pouco. Aliás, olhando pra despensa, da canela ao mel, do sal ao azeite e farinha... tudo serve um pouco para que, se não curar, pelo menos atenuar algum problemita.

Portanto, já que hoje o trabalho incluía uma caminhada de comemoração do Dia da Espiga, muni-me de mochila, tesouras e muita vontade e fui procurar as plantas para o ramo da espiga. Não custava nada olhar pelo percurso e procurar onde poderia reabastecer a minha farmácia de despensa... e valeu a pena.

Da Camomila (que faz um chá bem calmante e que desincha os olhos), à Rainha dos Prados (que serve pra baixar a febre, tirar a dor dos ossos e articulações) ao Rosmaninho (que é bom pra quem tem asma e expectoração presa... e serve também pra quem sofre de gazes) além do Eucalipto (que dá pra fazer umas boas inalações a moda antiga, com bacia de água a ferver e toalha tapando a cabeça, ajuda a desentupir o nariz e desimpedir os brônquios) ou a Erva de Santa Maria, conhecida como erva Azeitoneira (que tanto dá pra temperar as azeitonas novas como também é , desde que usado com moderação, um bom antiespasmódico) assim como a bendita Oliveira (que serve pra baixar a pressão arterial e mandar fora a pancinha), tinha ali tudo a mão de colher.

O que me fez ficar mais tranquila foi ver tantas caracoletas e caracóis passeando, sinal que herbicidas e pesticidas não fazem parte da fauna e flora local. Passei por tectos de folhas, das altas árvores que protegiam-me dos pingos da chuva... e deixei-me ficar a ouvir o tap, tap das gotas, os cheiros pairando no ar, pinheiro bravo e eucalipto, as ervas e terra molhada;  lá ao fundo o cantarolar dum riacho nas pedras e aquela ponte de madeira cai-não-cai, bem rústica, num local de silêncios de cidade e de conversa de campo. Meu ramo compôs-se logo, amarelo e branco dos Malmequeres, rubro das Papoilas, as empertigadas espigas de trigo, um raminho de alecrim perfumado. E vi montes de silvas que, logo em Agosto, estarão cheias de amoras silvestres e a minha espera... só perto de casa adicionei a rosa e a parreira.


De boné encharcado, cabelo ao estilo deusmelivre, T-shirt colada ao corpo de humidade, os ténis todos borrados de lama, calças encharcadas da chuva e das ervas molhadas, os pés a fazer choff, chofff dentro dos ténis... me senti bem pra caramba. Éramos uns 70 ao todo, mas sem berreiros e barracos, uma labradora preta a cheirar e a brincar com tudo e todos, conversa amena, boa disposição... e uma boa comunhão com a natureza. Gente habituada as caminhadas, ao mato e ao esforçar-se um bocadinho. Foi uma manhã de trabalho que não me custou nada...

... e aí pensei: pois é, eu sei que a minha asma não pode ser curada, mas atenua com alguns chás e cuidados. As outras coisas, sempre tem uma erva, um chá ou um xarope que dá resultado, mas sem estragar o ambiente. E quando a gente escuta, depois lê que um animal, em pleno século XXI é declarado extinto porque é caçado até esse ponto, dá que pensar.

Por causa de uma crendice que diz que o chifre de rinoceronte levanta piroca mole, levaram o animal (o rinoceronte) a ser declarado extinto no Parque Nacional do Limpopo, em Moçambique. Sim senhores, uma coisa mesmo de se tirar o chapéu. Já pra não falar dessa cretinice de cartilagem de tubarão para evitar osteoporose ou o fígado de tigre para curar anemia e tuberculose.

Primeiro lugar: cálcio é absorvido pelo nosso organismo apenas e durante a infância e crescimento, daí o leite ser base da alimentação. Na vida adulta, só consegue ser absorvido através da ajuda da vitamina D, daí que a melhor fonte de cálcio sejam as couves e as leguminosas. Podem tomar litros de leite, entupir-se de doses maciças de cálcio da farmácia, sem vitamina D a única coisa que conseguem é pedras no rim, baço e figado.

Para mal de piroca mole: Pau de Cabinda, Catuaba, Melancia... e Viagra. Criem as plantinhas em casa, usem e abusem, rezem para Santo Expedito, São Judas Tadeu, ergam (salve seja) altares à Priapo, mas deixem os animais em paz, ok? Não comprem nas casas de produtos naturais as cápsulas e xaropes feitos com entranhas, chifres e ossos de animais. Há plantas que fazem o mesmo efeito sem prejuízo do equilíbrio ecológico. Felizmente já saiu uma lei proibindo agentes pesticidas que matem abelhas... pois sem abelhas não há polinização e sem ela não há frutificação e sem isso... não há o que comer!!

A natureza generosamente oferece-nos imensas coisas, ali, ao alcance da nossa mão e nós apenas temos que conhecer os seus ritmos, respeitar e conservar o que há. O azevinho, que antes era abundante na região, agora a beira de extinção é protegido. O Lobo Ibérico e o Lince da Malcata, que perdendo terreno para os pastos e as aldeias humanas vêem-se mais uma vez em risco. Raposas e águias ameaçadas por envenenamento, fogos postos em época estival, uma consciência de merda de cada anormal que deita lixo fora do local próprio... só dá vergonha.




Temos tanto... e tanta gente é mal agradecida e despreocupada. Preservem e cuidem... senão, qualquer dia, apanhar o ramo do dia da espiga vai virar uma lenda a ser contada; do dia que os campos tinham flores, que as árvores serviam de tecto numa manhã chuvosa e que as amoras silvestres eram docinhas e deixavam os dedos tingidos de roxo... e seria uma pena. Seria uma pena que o Lince e o Lobo Ibéricos fizessem companhia ao extinto Urso, que a Raposa  só fosse um desenho para colorir na escola e que se contariam que estes animais andaram por aqui... até acabarem de vez.

Apareçam

Rakel.

Comentários