A Nova Era da Idade das Trevas



Embora o romantismo sirva de desculpa para uma certa fantasia dos tempos idos, em que por só de olhar para uma pessoa fixamente, já dava motivo e acusação de bruxaria, tribunal de fé e posteriormente.. fogueira, não seria nada divertido ou romântico viver nesse tempo. Confissões arrancadas a base de torturas que nem a mente mais retrocida lembraria, foi a base da maior religião que professa a misericórdia, o amor ao próximo e os caminhos da redenção. Dizer é uma coisa, fazer é outra.



Sendo a verdade em si algo de muito questionável, as adversidades que muitos passaram só pelo simples facto de irem contra a maré corrente foi esmagadora. Galileu Galilei foi um deles, embora aquilo que ele dizia fosse verdade, na época, questionar a criação divina dentro do conceito cristão deu-lhe direito a tribunal inquisidor e a oportunidade de retratar-se ou... bem, imagina-se. Portanto, foi a muito custo que uns poucos visionários e intelectuais conseguiram mudar a face da cultura do mundo, ou ainda estaríamos a pensar que a Terra era o centro do Universo, ou que a Terra fosse plana.

Veio a época da luzes, do humanismo e o homem teve que tomar as rédeas das suas acções e mudar o que estava errado: a escravidão tal qual  como aprendemos nos livros de história que chegou até bem perto do século XX. A árdua conquista feminina do seu lugar no mundo para além de ser a parideira e moeda de troca entre famílias. O conceito de que a Igreja deveria avançar com o passar dos tempos e adaptar-se ao mundo. Certo? Errado.

Para já, o mundo é mesmo feito de ciclos de ascensão e declínio, avanços e retrocessos, e cada vez mais me venho perguntando se estamos a avançar para trás... Porque só um idiota chapado poderia fazer afirmações desta envergadura... ou então, quando criança, visionou o filme Exorcista e decidiu que essa seria a sua profissão de "quando fosse grande".

Se há algo que me deixa realmente perplexa é o facto de que, no tal equilíbrio de bem e mal, luz e trevas... as trevas e o mal sejam aqueles que tem mais força e por conseguinte, o bem está sempre a levar na focinheira. Não aceito, não engulo e a minha lógica não consegue ver nisso uma ponta de verdade. De facto, e para quem não sabe, o conceito de Satã como aquele tipo de mau humor, com um belo par de cornos (faz lembrar aquele vizinho lá da rua né?) e que anda praí a arrebanhar os malditos foi um conceito criado na Idade Média. Porque na Bíblia, Satanás vem do Hebraico Saitan ou Shai'tan, que significa adversário. E porque adversário? Simples...

Para já, o cristianismo é um judaísmo modernizado, Jesus era judeu e a única coisa que ele pretendeu fazer foi alargar essa fé para outros que não fossem judeus, um tipo de ecumenismo. As mesmas leis que regeram por gerações, a Lei Mosaica, ele pegou nelas e tentou moderniza-las... há mais de 2000 mil anos atrás. Correu tão bem o assunto que ele acabou como acabou, porque na verdade, aquilo que ele mais pregava, ninguém ligou: somos todos filhos de deus, sendo ele e nós filhos de deus ele era nosso irmão e não nosso pai e senhor nessa bagunça de trindade. Somos então irmãos na criação divina.


Quando lá o altíssimo criou o mundo e a humanidade (segundo a tradição judaica) ele decidiu fazer o upgrade mega bom da criação, dois seres que fossem perfeitos, quase como os anjos e ele próprio. Criou Adão e Lililth, que não deu lá muito certo com essa coisa de ser a número dois da criação. Descartada a primeira candidata, adormeceu o banana do Adão e tirou uma parte dele para criar a simplória Eva. Acabado o trabalho, o altíssimo chamou seus anjos, arcanjos e querubins e ordenou que eles se inclinassem perante a sua obra prima. Houve um que não acatou ao pedido, mirou de alto a abaixo os dois recém nascidos sem umbigo e decidiu não prestar vassalagem. O grande pai não achou piada nenhuma que, justamente o filho preferido, aquele que usava uma esmeralda embutida na testa, fosse justamente aquele que não aceitava a sua mais recente criação.  Dizia ele que, presos à matéria seriam fracos aos desejos e anseios, tornando-se assim imperfeitos e falíveis como o resto da criação.

O altíssimo decidiu então guarda-los num jardim longe de tudo e de todos, cegos à tudo que o resto do mundo conhecia, o bem e o mal, a sabedoria do certo e o errado e as escolhas nem sempre acertadas. Deu ao seu filho preferido a oportunidade de assim, conseguir persuadir ou encontrar defeitos possíveis. E conseguiu, dando à Eva o fruto proibido. Com a cegueira desfeita e feito luz aos olhos desse par inocente, o filho preferido do criador, o usurário da esmeralda na fronte tomou para si o nome de Lux Fero (fazedor de luz ou fez-se luz) mais conhecido por nós como Lúcifer. Como o criador teve mau perder, exilou o par tido como perfeito para fora do paraíso e fez com que ambos fossem amaldiçoados. Adão teria que vergar a mola, suar para ganhar o pão de cada dia. Eva, a que o puxou para a falta teria desejo dele e sofreria as dores do parto. A partir desse dia, Lucifero seria um tipo de juiz, que vagaria pelo mundo testando a cada pessoa, fazendo que aquilo que fosse mais forte vencesse: o bem ou o mal. A escolha seria da pessoa, não de Lucifero. Portanto, sendo um Shai'tan, feito pelas mãos do criador, feito de espírito e luz como qualquer outra criação espiritual... como surgiu essa cena toda do grande maligno? Política, poder e... dinheiro.

Sendo que os judeus usavam as leis mosaicas que exigiam o sacrifício de animais como pagamento dos seus pecados (e daí nasceu o termo "bode expiatório", alguém que toma o lugar do culpado), que preferiram Barrabás à Jesus, que sempre foram ricos e com influências políticas... foi como que se pintassem um alvo nas testas ou um letreiro "olha a vítima". As mulheres judias muitas vezes eram tidas como bruxas, os homens ao enriquecerem com regularidade... eram tidos como comparsas do maligno, do anjo que vagueia pela Terra. Daí que foi um passo associar a imagem dos animais imolados em templos com o demo do Shai'tan. O mal prevalecendo sempre, a luta dos mártires até a morte e um criador de ambas as coisas que exige o sofrimento de seus filhos em nome de uma obediência cega. E nada mudou, pelo contrário.

Na falta de judeus, agora todas as outras sabedorias que não tenham a chancela do Vaticano são "caminhos para o demónio" segundo as palavras anacrónicas e esquisofrénicas de um servo de deus que recuou seiscentos anos no tempo, colocando-nos nas mesmas trevas e receios do tempo das fogueiras, torturas e arbitrariedades. As mesmas que João Paulo II pediu perdão.

Nos tempos que correm, onde as pessoas seguem mais o que os outros dizem, que não se preocupam em pensar e nas possibilidades de ler e questionar, se mais padres deste género começarem a aparecer, não tarda nada e teremos em lugar dos bailes de aldeia, uns fulgurantes autos de fé, com tudo incluído, até churrasco humano... em nome da glória de deus.

De todas as alegorias criadas e perpetuadas através do medo, da ignorância e do desprezo pela lógica básica, o conceito do mal prevalecer, de ser mais forte e mais engenhoso do que o bem, no mínimo é para mim, vergonhoso. E há quem ainda acredite que o mal usa cascos, chifres e cheira a enxofre, que usa um tridente para cutucar as vítimas no inferno e que lá no alto... o criador impávidamente assiste o sofrimento, a fome e a morte de inocentes... porque só ele sabe a razão.



Voltará assim o tempo em que um epilético era tido como possesso, que uma mulher bonita é uma bruxa que enfeitiça os maridos alheios e que a inveja do vizinho faz murchar o bolo no forno...que o sucesso alheio não foi obtido por esforço e engenho, mas sim por pacto com o demo. Voltaremos ao tempo da ignorância, fraca ou nenhuma literacia e só repetirão o que lá do púlpito repetirão: tudo é mal, tudo é pecado e não temos redenção. E aí temos padres e bispos metidos em enredos de pedofilia nos quatro cantos do mundo.


... e eu simplesmente não consigo entender como, de que maneira o mundo conseguiu regredir tanto. E escolhem tão bem da Bíblia aquilo que lhes convém usar em proveito próprio.



Apareçam

Rakel.


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