Já Viste isto Zamenhof?



São poucos aqueles que sabem quais foram as tuas ideias, aquilo que pensavas que seria uma solução para o entendimento de uma Europa repressora, separatista e xenófoba. Ainda no século XIX, num gueto na Polónia, sentias bem na pele aquilo hoje chamamos de preconceito. Muito antes do Adolfinho do bigodinho ridículo, o estigma de ser judeu já rondava por estes lados, empurrados em guetos, apontados conforme a procedência (judeu-polaco, judeu-russo, judeu-lituano) e subdivididos ainda mais. Pensavas tu, na tua mente serena e apaziguadora, que o motivo de tantos desentendimentos entre os povos seria esta bagunça de tantas línguas.

Como eras inteligente, sabias e falavas várias línguas, decidiste criar uma língua que unisse o povos. O Esperanto nasceu assim, e para falar a verdade Zamenhof, eu só soube disto tudo quando decidi há uns anos atrás,  estudar essa língua chamada de artificial. Sim senhor, espalhou-se pelos 5 continentes, tomou corpo, dinamizou-se, musicou-se e vai ganhando mais adeptos.

Mas já viste bem a Europa hoje, Zamenhof? Nem sequer viste a aberração que foi a 2ª Grande Guerra, com os campos de concentração, o genocídio, a ganancia de poder. Saíste deste plano material em 1917, primeira guerra já tinha acabado.Mas não conheceste Anne Frank, nunca leste o diário que ela deixou como testemunho desta estupidez humana, de toda a imundice das mentes de um novo século. Terias te sentido mortificado pela perseguição, extermínio, separatismo anti-semita. A Guerra acabou mostrando até que ponto a humanidade pode ser... irracional. Poderíamos dizer que aprendemos com os erros... mas cada dia que passa, por cada novo Governo falho, por cada insatisfação social e a falta de assumir erros, tem levado a que alguns voltem no tempo e revivam dias negros.

Olha só a Hungria, Zamenhof... olha só no que se tem tornado aos poucos, debaixo da passividade total de um povo insatisfeito e a procura de um culpado...


Zsolt Bayer, fundador do partido nacionalista hungaro, levanta a voz contra ciganos e judeus, a escória da sociedade, segundo palavras do próprio, um problema a ser resolvido de qualquer forma, segundo afirma, tão próximo do discurso do Adolfinho, que até assusta. Jornalistas conduzidos e induzidos a apoiar esta nova era governamental, que se baseia, mais uma vez, na limpeza étnica e social. Força e apoio às milicias civis, comportamentos arbitrários, são o prato do dia.

E que diremos então da Grécia, berço da Democracia, do pensamento e filosofia do mundo, agora a ver crescer, diante do falhanço dos governantes corruptos, um nacionalismo que pede sangue e morte aos imigrantes?


Na voz e no pensamento de Alexander Plomari, candidato nas últimas eleições ao Parlamento Grego pelo partido ultra-nacionalista Aurora Dourada, tudo e todos que não são gregos, são lixo e merecem a morte.

Olha Zamenhof, me parece que o problema do mundo não será a falta de entendimento pela barreira linguística. O buraco é mais em baixo, o problema maior, na minha opinião, continua a ser a falta de consciência e a falta de assumir culpas. Quem elegeu os corruptos são os mesmos que agora se viram contra os que nunca tiveram nada com isso. São os que trabalham naquilo que ninguém gosta ou quer. O mundo é feito não de não perceber o que o outro diz, mas sim dessa mania antiga de fugir da realidade... de assumir o seu papel social.



É preferível acreditar no que alguns discursos inflamados e protecionistas nacionais dizem, do que a dura realidade: na democracia, a escolha do povo, o voto na urna elege o futuro corrupto e lobista. Pensar que um judeu, um negro ou asiático seja o culpado dos desparrames governamentais é esquecer quem elegeu o cabrão que agora manda no país.

Zamenhof, agora qui no país onde vivo, neste cantinho da Europa, o apontar de dedos é entre partidos e  banqueiros favorecidos. Mas algo me diz, que quando isto começar a pegar fogo mesmo, e me pergunto porque  nas notícias dos telejornais pouco se fala disto, não nasça uma nova moda de apontar dedos aos culpados do costume e não de quem votou no Passos, porque era "um homem que fica bem, é giro e novo" como dizia uma tia na rua durante uma reportagem.




Que se lembrem bem: foi o Estado que sumiu com essa enormidade de dinheiro, foi o Estado, na face do Governo que prevaricou, não os estrangeiros, nem os que são de outras religiões e modos de vida. Que não se esqueçam quem elegeram ou por preguiça pura, deixaram de cumprir o seu direito de escolha e deixaram nas mãos de outros estas escolhas. Os ratos... já abandonam o barco a naufragar, escolhem fugir a encontrarem soluções.

Sabe uma coisa Zamenhof? As pessoas tem sempre uma memória selectiva, escolhem aquilo que preferem esquecer ou lembrar. Escolhem reclamar e não exigir aquilo que é certo. Escolhem exigir direitos e esquecem os deveres, escolhem apontar dedos e esquecem olhar para dentro de si mesmos.

O teu sonho Dr. Zamenhof, até era bem giro, um entendimento geral dos povos através de uma língua comum, de saber compreender e entender o próximo que nos parece tão diferente e estranho para nós. Mas infelizmente, a verdade é essa, a humanidade numa grande parte, é mesquinha, desmemoriada, irresponsável e violenta. E não há língua ou filosofia de vida que mude mentes, já que a educação, nestes tempos conturbados, tem perdido qualidade. Ler é menos importante que o último capítulo da novela ou do reality show da moda. Ir ao teatro é chato.. o bom é ir pra noite derrapar em vomitado em uma discoteca qualquer, num revival dos anos 80 e no engate de ocasião... só pra esquecer a puta da vida cheia de contas.

E isto Dr. Zamenhof... é o século XXI...


Ĝis revido!


Rakel



PS: agradeço de coração aos apontamentos da minha amiga Bellona, uma jornalista atenta aos desenvolvimentos sociais e pouco valorizados pelos telejornais. Me pergunto até que ponto a manipulação de informação se estende tanto e com tanta força. Obrigada amiga.

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