Dia da Peta



Não me é nada estranho um dia projectado apenas e somente para pregar uma peta enorme e uma partida monumental. Houve uma altura que cheguei ao requinte de ir preparando o terreno para o golpe final com meses de antecedência. Tudo pelo simples prazer de chatear ao cubo quem me chateava a vida... mirabolantes petas que incluíram, aos 15 anos, que a minha cor esverdeada (tinha comido tudo quanto era porcaria e doces na rua) era porque estava grávida. Essa peta me valeu uns 3 meses de castigo. Normal.

Não tinha consciência do peso de uma mentira a sério durante muito tempo, porque dizer que ainda não tinha recebido as notas do último período escolar não é uma mentira, mas sim uma leve omissão de factos.

O passar do tempo tem mostrado as várias facetas da mentira, do logro, engano ou peta. São as coisas que se vão mostrando aos poucos como meias verdades, ideais que afinal só estão nas nossas cabeças, as palavras ditas por hábito na rotina da vida e a perda da inocência  Porque acreditar em algo é uma aposta cega nas palavras, nas atitudes familiares feitas de sins da boca pra fora, do querer crer em algo que queremos tanto. Entre a nossa vontade de acreditar e a verdade vai um espaço e tanto, aproveitado por conveniências várias, do socialmente correcto, da beatitude de uma felicidade placeba e a tentativa vã de torcer a realidade. E aí, o dia consagrado à mentira, da peta sem mais consequência, perde o brilho,o engenho meio infantil e a vontade.

Dentre tantas mentiras apanhadas a jeito no dia a dia, de nos sabermos metidos em enredos sem nexo, naquelas estórias que nos metem no meio para salvaguardar um pecadilho, olhando bem, é tudo tão ensaiado e teatral, que escusam de colocar dia para comemorar a peta.

Não fica assim barato dizer verdades na cara dura, muitas vezes o contornar de algo agreste e meio complicado exige, parte das vezes, aquele enredo do : "sabe do teu gato? Subiu ao telhado..." até chegar ao momento em que o gato quinou. Realidade em doses homeopáticas, com pés de lã e muito jogo de cintura não é peta, é o contorno que algumas sensibilidades pedem. E uma coisa posso afirmar categoricamente, mentira tem mesmo perna curta. Mais dia, menos dia, a gente acaba por saber a verdade das coisas e o choque não é adocicado pelo tempo, nem se esbate nas lembranças. Vira um tabefe no meio da cara que nos deixa meio apardalados sem saber de onde veio a bifa voadora.

O cair em si, o dar-se conta dessa participação coadjuvante numa peça que nem sabia que ia entrar, será talvez a maior queda da asas da inocência. Ai a gente acaba pro crescer, querendo ou não, a necessidade de amadurecer é brutal. Ninguém gosta de ver-se metido nestes trabalhos, nesses diz-se que se disse.

Depois de conhecer o universo político, as intrigas palacianas do local de trabalho, as conversas de mesa de café, as especulações de beirada de boteco... são pequenos nadas desta vida. Tive um dia cheio, puxado e cansativo, dedilho estas palavras com pc no colo, lutando contra as pálpebras pesadas e sem a menor ideia de quais foram as petas difundidas nas rádios e nos telejornais. De cada vez que o Gaspar abre a boca duvido, em cada discurso do Relvas eu não acredito, em cada declaração do Passos  eu sei que não é verdade. Mentir é tão banal que o dia perdeu a graça e da minha parte, perdi a paciência para tal. Ainda mais por saber que a fronha do Sócrates aparece em tempo de antena em horário nobre.

E vou cada dia dando menos crédito à um possível acordar de consciências... é que dormir em doces ilusões, na crença do Pai Natal e na sorte grande na Raspadinha é sempre melhor do que a verdade da vida real.

Apareçam

Rakel.

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