A Palavra No Feminino



Entre os dias de comemorar a razão de existir, comemora-se o facto de ser mulher ou ser mãe. Uma coisa separada da outra ou tão certa de ser o mesmo. Ser mãe será carregar dentro de si a vida que mais tarde, num esforço enorme, respira cá fora e toma lugar nos fios da vida? Ou apenas será a entrega de todo o coração e de afectos por quem se deixa enamorar, logo no primeiro olhar, por aquela pequena parte nossa?Ou se dá por quem precisa e nunca teve quem lhe embalasse num colo macio, que olhasse com ternura ou que chamasse de meu filho?

Ser mulher será das maiores aventuras vividas por uma alma, a mistura feita de vontades e feitios enrolados em palavras doces e afagos. De um nada surge a fúria, os gritos, os arremessos de loiça e portas, as palavras duras e as exigências Depois a bonança chega aos poucos, e dos gritos se fazem risos e suspiros. Esperam de nós, as mulheres, a perfeição que quase nos toca, e nesse quase... guarda-se o maior mistério que fascina todos os que teimam em tentar conhecer-nos.

Vaidade, essa parte embutida em nós, o hábito de tratar e cuidar do corpo, umas mais do que outras, é verdade, mas sempre com a vontade de agradar, primeiro a si mesmas, depois os outros. E isso chega com o tempo, o querer-se primeiro a si e depois aos outros. No começo da vida de mulher, percorremos os corredores da vaidade de diversas formas: na adolescência  a vontade de pertencer ao grupo, na casa dos 20 tentar agradar à todos, mesmo com sacrifício da própria personalidade... até chegar a idade da razão e escolher-se primeiro a si. Leva tempo, muitos tombos, mas chega-se lá.

E no meio dessa vaidade muito pessoal, há quem enfrente as vicissitudes com uma força incrível, escolhendo o menos óbvio e jogando no tabuleiro social da forma mais racional e corajosa que conheço. O nosso corpo  foi projectado para ser funcional e chamativo, dos cabelos ao olhos, dos lábios aos seios, da curva da anca aos pés ligeiros. Talvez por isso ficamos chocados ao ver uma amiga que passa pela quimioterapia e rapa a cabeça. O cabelo é uma das maiores marcas da mulher, a vaidade que coloca Rapunzel em conto de fadas e nas ondas selvagens e sedosas dos poemas dos enamorados. Mas cabelo volta a crescer, ganha outros jeitos, mas volta a nascer. E foi a avó do rock brasileiro, Rita Lee, quem me fez criar mais coragem e respeito pelas escolhas de mulher. A família, do lado feminino, tendo todas sofrido de cancro da mama, fez a Rita escolher voluntariamente retirar os seios antes que o tal verme ruim se instalasse nela. Sempre foi meio louca, mas pensou primeiro nela e depois na vaidade, nos anos que ainda tem pra subir nos palcos, pra brincar com as netas e ainda amar o seu Beto.

Exteriorizar. Mulher joga fora o que sente, seja medo de barata, de trovão ou de rato, sejam as abundantes lágrimas de felicidade, tristeza, paixão ou pura fúria, a gargalhada inesperada ou o inusitado cinismo. Mulher não tem que fingir que não dói, que se é forte, que não sente nada. Muitas vezes de boca solta, diz o que pensa, noutras guarda para a hora certa a resposta incómoda e certeira ou a boca mais foleira que existe. Que se dane o que pensam, já ficou bem lá atrás o incomodo de engolir sapo por sapo, de manter a cara de satisfeita quando não está e a formalidade de um modo de vida enfadonho.

Generosa. Hoje encontrei-me com a minha ex-prima, divorciada do meu primo há uns anos, a distancia das cidades fez-nos encontrar-nos menos e ganhamos saudades. "Não sei nada de ti- dizia ela - a última vez que conversamos foi no casamento do meu ex." E é verdade, meu primo casou-se pela segunda vez e ela foi lá, para lhe dar os parabéns, sem rancores, sem problemas. Ela, já na idade da razão, deixou no lugar devido o passado, vive o presente e não deixa que coisas passadas interfiram na sua nova vida. O engraçado é que, antes da cerimónia, o meu primo chamou-me de lado, e com o incentivo de umas 6 minis  me perguntou se achava bem ele ter convidado a ex-mulher (e minha amiga) para o casório. Homens... sois tão inseguros pah...

Batalhadoras. Já são poucas as que ficam em casa por opção. A maior parte aposta na carreira, na capacidade de ultrapassar os seus limites de conhecimentos. Juntam empregos com fraldas e fogão, a vida de casal (seja ele qual for) mais a pós-graduação a noite e mais as aulas de pilates 3 vezes por semana. Ganha tempo nem se sabe bem de onde, arranja ainda espaço para o bolo para a escola do mais novo e fazer a decoração do quarto da mais velha. Já troca a lâmpada sozinha, pinta as paredes se for preciso (e faz menos esterqueira) sem auxílio das jolas fresquinhas. Muitas vezes ela faz isso tudo por não ter outro remédio, caiu-lhe nas mãos toda a responsabilidade, a necessidade de resolver tudo.

Elas sonham acordadas e cismam com o que não entendem, amam tresloucadamente ou então cautelosamente. Arrisco a afirmar que as tresloucadas são as que conseguem apaixonar-se pelo menos umas 6 vezes ao ano. As cautelosas o fazem raramente... e resguardam-se melhor. Elas saem em grupo ruidoso e divertido ou escolhem dar uma escapadela, sozinhas, para colocar as ideias em ordem. Elas já dão murros na mesa como chefes, olham de igual para igual no comando e sabem gerir a arrogância dos pares.

Nesta noite de 30 de Abril para 1 de Maio, comemora-se no calendário pagão o dia de Beltane. Nela, a personificação da mulher plena, corajosa como Boudica, terna como Julieta, apaixonada como Inês de Castro, inteligente como Elizabeth I.

Que se comemore, em cada dia, a condição de ser mulher, mãe ou não, perfeita ou cheinha de defeitos, racional ou a meio caminho do totalmente pacional. Da activa à passiva, da mãe ou da que decidiu dedicar a vida aos animais. Nem santa, nem tão pecadora. Do começo da idade de mulher até à idade da razão. De olhar-se, gostar-se e cuidar-se. De fascinar, adular e conquistar... e tudo mais que nunca se há de descobrir, pois ser mulher é um mistério tal... que só funciona assim mesmo: envolto na dúvida do seja.

Apareçam

Rakel.

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