A Órbita do Umbigo



Indo pela lógica: a vida é feita de equilíbrios, de contrabalanços necessários para que tudo corra bem. O dia sucede a noite assim como as estações intercalam tempos de frutificar e descansar. Por isso, a invernia que nos incomoda é tão necessária como os estios solarengos que nos alegram.

Partindo também do principio que, fazer o bem, ser correcto e honesto trará os frutos devidos, que o facto do mal existir não significa que vença sempre, porque então é mais fácil e o mais aceitável seja que, tudo o que nos corre mal é por culpa de outra pessoa que não só nos desejou esse mal, como também trabalhou para isso?

É que de uns tempos para cá tem sido quase que sintoma normal dos insucessos esse apontar de dedos às forças do mal, aos trabalhos feitos para mandar a baixo e feitiçarias negras, funestas e certeiras. Nesse caso, será correcto dizer que o mal prevalece ao bem e que por mais que uma pessoa seja correcta, honesta e sincera de nada vale contra umas velas, umas rezas macabras e imolações em altares precários?

Custa-me acreditar nisso, sinceramente é dar um crédito, um tempo de antena grande demais e uma valorização ao lado "negro" da vida. É eficaz ao ponto de destruir vidas por completo, dos negócios à vida pessoal, pela simples razão (muitas vezes me dizem que assim o é) da inveja do sucesso obtido.
Casamento desfeito  negócio na falência, saúde deteriorada pela inveja, rezas e velas e não há bem, luz e fé que consiga dar a volta à situação... e dizem-me ainda por cima que deve de se lutar usando fogo contra fogo. Trabalhos contra trabalhos. E isso me parece tão mesquinho e tão baixo e miserável, que não há guia, mentor ou anjo que não se sentirá envergonhado pela pouca envergadura que dão aos dons da luz.

Toda gente prefere aceitar que a culpa dos seus infortúnios seja obra e graça de outros que, não suportando a felicidade alheia, não conseguindo a sua própria, faça uso de artes e magias para acabar com a felicidade alheia. E não será que nisso tudo, nessa visão prosaica e medieval, um pouco de indulgencia aos erros e más escolhas?

É que não me sai da cabeça a velha lei da acção e reacção, onde aquilo que eu faço, o que eu desejo ou procuro seja a semente daquilo que vou colher depois. Pode demorar muito tempo, pouco tempo, mas cada coisa, cada acção boa ou menos boa, terá as consequências devidas no futuro. Ou então a noção do bem, na força divina e na fé não passa de um conto da carochinha, da fada do dentinho e do pai natal. Apenas uma alegoria para esperançar aqueles que foram agarrados pela única força que prevalece: o mal. E se assim é, não há equilíbrio nenhum, apenas a sorte de passar desapercebidamente do olhar malévolo ou então um associativismo pleno que justifique a benesse dessa sociedade.

E o que a gente faz com aquilo tudo que creditou a vida toda? É tudo especulativo? Uma conveniência? Um despropósito pegado acreditar nas convicções, no melhoramento pessoal, em enfrentar os caminhos complicados sem atalhos e vencer sem fazer batota? Isso tudo será em vão?

Custa-me muito acreditar que todos são maus a esse ponto, como acreditar que todos são inocentes ao ponto de nunca terem feito nada de mal, não há equilíbrio assim. Ninguém é só defeitos assim como não são só feitos de qualidades. A perfeição não foi feita para nós, os que são feitos de desejos e ambições, por mais puras que sejam. Já dizia Bhuda que a fonte dos nossos sofrimentos são os nossos desejos,  e ele nem sequer fez distinção dos bons ou menos bons. Desejar é querer mais, ter o que não temos, esperar o que ainda não chegou e é difícil de alcançar... não se deseja aquilo que se tem a mão, mas o que teima em ficar longe de nós. Seja bom ou não seja.

Mas voltando ao assunto, e voltando lá bem atrás no tempo, em que as forças superiores e boas criaram o mundo, o homem à imagem divina, nas incongruências de toda humanidade, ela também criou o mal? E deu-lhe essa vitamina toda que agora manda e desmanda sem mais aquela?  Escolhas... é verdade, o tal do livre arbítrio onde as nossas escolhas recaem invariavelmente entre a recompensa ou a condenação. Por enquanto, aquilo que parece prevalecer é a condenação de quem não merecia... ou merecia?  Ganda nóia... em que ponto chegamos?

Chegamos ao ponto de apontar à um qualquer desconhecido na inveja do nosso sucesso a culpa de nos terem feito mal, de terem trabalhado para isso. Esquecemos completamente de todas as pequenas cagadas feitas e "esquemas de emergência" para conseguir sucessos. Esquecemos como adormecemos em cima da preguiça lontra, aquela que se acostumou com os dividendos a entrar sem mais nada que fazer senão gastar, delegar responsabilidades e marimbar-se para repartir tempo e felicidade. O tal problema de orbitar em redor do próprio umbigo, a insatisfação que obriga a querer mais do que já tem.

Mas no meio desta crise, desta recessão financeira e sentimental, poucos são aqueles que se auto-responsabilizaram pelos seus infortúnios e de descarregam as suas amarguras na mais provável macumba feita em encruzilhada na sexta feira de lua cheia. Sempre é mais fácil apontar o dedo aos outros que assumir as falhas sistematicamente cometidas.

E no meio disto tudo, andam as entidades de luz, muito provavelmente, a tomarem medicação anti-depressiva... tamanho é o desprezo recebido de quem deveria acreditar no bem e nos valores mais básicos do mundo.

Apareçam

Rakel.


Comentários

  1. Concordo em pleno. É só uma questão de cada um descobrir a sua "bateria". Eu confesso que a minha anda um pouco desgastada...mas faço por a carregar :) Boa Páscoa, miúda! Beijos

    ResponderEliminar
  2. :) Tem horas que uma pessoa sente-se cansada da luta e realmente precisa carregar baterias. Pausas não são derrotas, apenas o tempo preciso de tomar fôlego e seguir em frente... Feliz Ostara!

    bjo

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Estamos ouvindo