O Olhar do Tempo



Já repararam como as vezes um minuto pode ser longo, penoso e nunca mais acaba? É a picadela de uma injecção, é aquela visão dantesca do aparelhometro do dentista a caminho da nossa boca escancarada, é o sinal que nunca mais passa para verde e o atraso acumulando. Tempo é relativo, já dizia Einsten, embora a fórmula que ele fez não seja lá essas coisas. Semana do fim de mês arrasta-se, o relógio emperra e nunca mais anda no fim de expediente na Sexta Feira e o raio do pastel de nata não durou mais do que duas mordidas. Mundinho sem misericórdia este. Corre com o tempo por um lado e faz birra e empaca em outro, e está-se nas tintas para o que queremos.

Um parto já não é nada mal se entre começar e acabar levar umas 6 horas, embora a ansiedade e o resto seja tão penoso como se fossem umas 36 horas como aconteceu para algumas. Dedo entalado na porta que bate num segundo e lateja a semana toda. Tempo, esse indomável cavalo, que leva e trás momentos longos ou tão curtos que mete raiva.

Mas quanto dura um olhar? Quantas vezes os segundos escorregam na visão de uma estrela cadente, riscando o céu de fugida e noutros se perde em minutos, que na verdade são horas, na imensidão de um céu pejadinho de estrelas?

Olhar, ver, enxergar... parece tudo igual, mas no fim das contas acaba por ser tão diferente, eu posso olhar sem enxergar. Eu posso ver sem olhar e posso enxergar sem nunca ter visto. Filosófico e transcendente nas palavras e significados vários. O certo é que para tudo isso é preciso o olhar, os olhos e algo mais que a alma: a história no tempo. Há quem reconheça no outro, sem nunca o ter visto, a pessoa que sempre fez falta. Há quem olhe para com quem está e nunca a tenha enxergado, da mesma forma que há quem sempre o enxergou.. mas nunca o viu de outra forma senão aquela. Interessante, não é?

Espelhos da nossa alma, das nossas sacanices, das nossas contenções, os olhos estão lá, no meio da cara. Não acredito que os olhos sejam as janelas da nossa alma sempre, somos muito bons em disfarçar, em tomar de maneirismos e cinismos para conseguir esconder as nossas... fragilidades. Então como é? Os olhos mentem? Mas claro que mentem...alguma dúvida nisso? Quantas vezes, e para os bons actores isso é canja, saem de casa ou do trabalho, aporrinhados, amargurados, tristes ou furiosos e depois conseguem remeter tudo à despensa da mente, fechar a porta e afivelar a cara e o olhar mais normal do mundo? Se for tão péssimo actor de vida quanto eu, não há outra hipótese: é usar óculos escuros e seguir em frente.

Só há uma maneira de realmente conhecer o olhar verdadeiro, é aquele que guarda uma história, que nas mãos do inesperado confronta-se diante da surpresa com outro olhar... e foi isso que me levou a escrever este post. Numa matéria que eu li sobre dois actores de performance, com uma história comum como actores, amigos e amantes, em que, por comum acordo em fim de linha, o tempo os separou por cerca de vinte anos... o reencontro pode ser tão doce como brutal, no meio do silencio de ambos, no meio da multidão. Tanto se falou e tanto ainda teriam que dizer, mas o tempo nunca chegaria para isso. Isso atinge uma pessoa por dentro e não há gesto estudado, sorriso torto e ensaiado que sirva de cobertura. Depois, viu-se a dificuldade de ela continuar com a performance.

É aí, na surpresa, no inesperado, não no encontro calculado, no café agendado, nos rituais ancestrais do engate que o olhar fala a sério. É quando o olhar, apanhado desprevenido, saudoso e reconhecendo-se no outro olhar, fala tanto nesse silencio de segundos do que uma vida inteira de convivência feita de rotina e monotonia. Do ver sem olhar, do enxergar sem olhar...

E acho que nunca um minuto durou tanto como toda uma vida...


Apareçam

Rakel.

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