Manias



Toda gente tem, uns mais que outros, mas no fim das contas, toda gente tem uma mania. Manhas, hábitos, costumes, deem o nome que bem entenderem, toda gente tem. Basicamente, somos animais feitos de hábitos e também de vivências que se transformam em conceitos e preconceitos. Há quem ache que são ideias o que na verdade são preconceitos... mas enfim, cada qual sabe o que lhe convém.

Alguns são absolutamente inofensivos e só mesmo o dono da mania sabe que é um hábito, um ritual que faz parte do dia a adia, o ver se desligou tudo, a porta se está mesmo fechada, coisas que passam desapercebidamente para a maior parte dos mortais metidos nos seus próprios pensamentos e coisas por fazer.

Saber a diferença de um hábito para um Transtorno Obsessivo Compulsivo é simples: quando não interfere com o bem estar da vida de uma pessoa, se o não realizar os actos de fazer aquilo sem sentir que o dia não há de correr bem ou ansiedades mil, então é um hábito normal. Há quem limpe o que já está sobejamente limpo, há quem não passe bem o dia se não tomar uma aspirina de manhã ainda em jejum... há para todos os gostos e feitios.

Só há muito pouco tempo dei-me conta de uma mania minha; pedras. Não, não são as pedras que se apanham com um charro, nem aquelas que ficam encafuadas num cofre de parede ou de banco. Pedras normais, aí pelo chão, seixos polidos e com algumas cores ou desenhos estranhos pelo meio. Pego-as, meto no bolso das calças ou na bolsa e depois me lembro delas. Vivo num meio com muitos restos de antigas civilizações, antigas aldeias do tempo da pedra polida, ir à Serra D'Aire é mais ou menos uma caça às pontas de flechas (pra quem consegue distinguir), verde até mais não... e ar puro.

Há uns tempos encontrei uma pedra que se ajusta perfeitamente à minha mão, uma parte bojuda que fica acamada na minha palma, encaixe perfeito para os dedos e uma face que antes deve ter sido aguçada, talvez para desmanchar carne ou tirar a pele de animais... sei lá... minha imaginação voa aí...
Pode ser tudo uma imensa coincidência, não fosse o facto que não acredito em coincidências, mas o raio da pedra só se pode agarrar bem com a mão direita, porque se pegar com a outra mão, não há encaixe para os dedos e o polegar fica a nadar em coisa alguma... Peguei essa pedra num momento crucial. Ali no chão era uma como muitas, polida de um lado, lascada de outro, pardacenta, sem brilho nem glamour nenhum. Mas nem sei porque, outro dia olhei lá pro calhau,e  lembrei com a maior clareza o que pensava naquele dia, o meu estado de espírito, tudo, e só agora me dei conta que, inconscientemente, peguei na minha mão a resposta pra tudo. Era só olhar para ela...

Há umas décadas atrás, numa praia aqui perto, encontrei uma pedra com a forma de um coração... achei gira, fora do comum e guardei pensando que era algo muito romântico, praia, quem estava comigo... e nem entendi a mensagem. Há corações feitos de pedra, que não batem, não aquecem, não sentem. Entre mudanças de cidades e de casas acabei por perder essa pedra e mais uma vez a mensagem não foi entendida.

O mais recente calhau é na verdade um seixo bem liso, polido de tanta carícia que levou da água do mar, foi rolando nos dedos das ondas, deixou-se ficar na areia da praia, adormecido até que alguém (moi) desse com ele. Enquanto se conversava ali na areia, sentada a beber cerveja e a ouvir a conversa... rolei pelos dedos aquele pedaço de pedra redondo, achatado, liso, gasto... e meio que alheia à conversa, com um pé cá outro lá, dei-me conta de uma data de coisas. Sem tirar o mérito do mar, um catalizador de alma sem igual, aquela pedra... fez cair uma fixa cá dentro. Lembrei da mesma praia décadas atrás, praticamente uma outra vida, quanto mais voltava no tempo, mais vontade me dava de sair correndo, de deitar fora tudo o que voltava a ver na minha cabeça... caramba... como me fez pensar.

O mais engraçado disto tudo, foi que depois, no caminho para casa, continuava meio calada pensando em tudo, já de noite, dando tratos a cabeça, estranho para as amigas que iam junto comigo... eu e calada na mesma frase não faz sentido. Só sei que quando abri a boca e falei... foi pouco, mas foi, segundo uma delas arrepiante. Não porque fosse uma coisa ruim, foi o tom, foi a dureza e foi acima de tudo, a forma como coloquei as coisas. Preto no branco, sem evasivas, sem paninhos quentes. Saiu...

... e de cada vez que olho para esse seixo, polido, brilhante e simples, me faz lembrar o momento exacto que me fez enxergar uma data de coisas, de entender que, muitas vezes, aquilo que consideramos um obstáculo intransponível, mais não é do que uma pedra de base e um auspicioso inicio de qualquer coisa nova.

Tão ausente e esquecida de mim mesma andei, que nem dei conta que, cada pedra que apanhava nas minhas idas e vindas, mais não eram que respostas e lembretes: que há corações de pedra, que há que cortar com mão firme o que não precisamos... e que se pode começar com algo pequeno e fazer disso algo em grande...

...uma mania tão sem glamour e que só há pouco tempo me dei conta.

Apareçam

Rakel.




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