Cada Terra Com Seu Uso, Cada Frescura Que É Um Abuso



Olhei pra ele, um montinho com uma cor aparentemente normal, embora sempre tivesse na ideia que carne picada de porco seja mais clara do que a de vaca, mas em tudo normal. A carne não zurra, não relincha, nem blatera como um camelo. Portanto, está morto, fresco e picado e pronto a cozinhar.

Dirão alguns que sou uma insensível de coração negro, que o coitado do cavalo, no caso de assim for, deveria receber melhor sorte do que ir para a panela. Bahhhh... manias, hábitos culturais.

Pico a cebola bem miúda e como não gosto de cheiros nas mãos, pego na pasta de alho e deito na panela já com um bocado de azeite. Junto a cebola que, em lume lento, deixa-se tomar de cores e eleva-se o cheiro na cozinha de um bom princípio. Penso numa data de gente que paga umas boas massas para comer Fugu, peixe balão para os íntimos, aquele peixe com uma toxina mortal e que os apreciadores adoram sentir um leve entorpecimento na língua...



O refogado está mesmo no ponto e é hora de juntar a carne picada, rebolando e mudando de cor, leva uma folha de louro cheiroso e uma pinguinha de vinho branco (só pra cortar um bocado a gordura), desfazendo os bocados mais grossos. Me lembro então de uns poucos privilegiados que podem dar-se ao luxo de pagar uma sopa de ninhos de andorinha, uma especialidade muito apreciada...e chic. Bom agora o chic é Sushi... ok, chique de novo emergente.

Deito generosamente polpa de tomate na carne picada que já meio loura se espoja na panela, uma pontinha pequena de sal e mais generosa na pimenta, pego no púcaro com água quente e dou-lhe mais por onde a carne poder banhar-se. Engraçada aquela reportagem das barraquinhas nas ruas da Ásia, onde as pessoas comem desde escorpiões panados à baratas fritas... experiencias do catano né?



A parte, uma panela bem cheia de água e temperada de sal e um fio de azeite aquece para receber a massa, desta vez espaguete, a mais simples e honesta massa. Deito os olhos à panela da carne e sinto que já é hora dos "pós de pirlipimpim". Uma boa dose de orégano jogada em chuva sobre a o molho que borbulha baixinho na panela, a seguir, folhas de manjericão fresco, lá do vaso, picado e deitado no meio desta sinfonia de odores. Iguaria que para muitos e sempre foi uma boa companhia para a cerveja, as perninhas de rã bem panadas e fritas ainda fazem as delícias de muitos... rãs... vejam lá...



O cheiro do molho com a carne ultrapassa os limites da cozinha e começa a chegar aos esfomeados da casa: "Falta muito? É preciso ajuda?" Sorrio perante a avidez no olhar e o pedaço de pão já meio a caminho da panela do molho... Caracóis, uns ranhosos cornudos e que fazem as delícias da malta.. ou uma cagança terrível quando se chamam Escargot, prato chic francês... que aqui é uma caracolada com jolas...



A massa já no banho da panela está quase "al dente", mesmo pronta a ser escorrida e passada por um jorro de água fria pra parar a cozedura. Há quem goste de comer o espaguete feito uma papa informe, mas cá a menina gosta de comer ao velho estilo italiano... chupando os fios e sem cortar aos bocados.

A travessa que levou uma escaldadela recebe os fios louros de espaguete que se espalham como os cabelos numa almofada. O molho e a carne, perfeitos de odores e temperos, adormecem em cima da massa e deita um cheiro formidável pela casa. Ah... quem me dera lembrar do país daqui da Europa que é quase um sacrilégio sequer pensar comer coelho, coisa que aqui faz-se muito bem e que é muito apreciado. Será a Dinamarca??

Falta o toque final, mas isso deixo ao gosto de quem come, de parte fica o queijo ralado, mas eu não gosto do Parmesão... gosto de sabores fortes na boca, por isso opto pelo queijo da Ilha de São Jorge ralado grosso... e voilá  tá o jantar feito.

Cozinhar, para mim, é quase sempre uma gosto, quase que um balé feito de movimentos e acrescentos. De toques meus e inspirações momentâneas. E acho que se a carne é de cavalo, burro ou camelo, tanto se me dá como deu. Porque pra quem já comeu túbaros, comer cavalo é café pequeno. E nunca vi tanta frescura em torno de um assunto tão banal. Deixem-se de merdas...

Apareçam

Rakel.


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