Recebi há pouco o meu 345º ultimato da taróloga de serviço que não me larga a caixa de e-mail por nada deste mundo. Segundo ela, se eu não fizer lá a mandinga que ela pede e pagando a quantia necessária, a partir do dia 13 estou literalmente funhanhada da vida. Provavelmente lá pelo dia 19 surgirá um novo mail com a sugestão de mais uma chance e mais um ultimato, já que o 21-12-12 é um dia forte cosmologicamente falando, e que será a minha derradeira chance de ser milionária etc e tal. Essa estória mal contada do dia 12 ou do dia 21 já me enche as medidas.
No puro gozo, meu filho mais velho dá como desculpa que não vale a pena limpar e arrumar o quarto, porque o mundo vai mesmo acabar num destes dias e não vale o esforço. Embora tenha feito chantagem, dizendo que então não vale a pena fazer comida, já que vamos todos mesmo morrer num destes dois dias, rebateu-me com a maior cara de pau que, "é preciso ter forças para enfrentar uma fenómeno de tal magnitude" e por isso, a sopa de peixe lhe sabe bem assim como o franguinho de caril. Sacana do gajo...
Ainda estive vai-não-vai para tirar uma foto do dito quarto para que, mais tarde, constar no álbum de família como uma peça antológica do viver de um nerd. Porque é absolutamente inominável tanto a cara de pau, como o estado do quarto. Tenho uma política de vida que não fomenta escravatura de ninguém, mas que, por outro lado, visa aumentar as responsabilidades na vida de cada um. Meus filhos não tem qualquer impedimento físico, são inteligentes, boa onda... e por isso mesmo a minha política é objectiva: cada um trata do seu espaço. Roupa no chão para mim não existe, pura e simplesmente não vejo, passo por cima. Há cesto de roupa para lavar e em local próprio. Não tem roupa lavada e no armário? Temos pena, enquanto estiver no chão certamente não ficará limpa. Há mais de um ano que o rapaz me pergunta de uma T-Shirt com caveiras... que nunca mais lhe vi o rastro. Certamente estará perdida entre mother boards, memórias e placas de sei lá eu mais o quê. Portanto, o meu filho tem um visão bastante pragmática do fim do mundo (na possibilidade mesmo que remota que isso venha a acontecer) dando como desnecessário qualquer esforço para aproveitar os "últimos dias".
Com o mais novo a coisa ainda fica melhor.. ou pior segundo o ponto de vista. Logicamente, um rapaz nos seus finais dos 17 anos, acha que o mundo devia acabar sim e que a espécie humana deveria ser erradicada do planeta, mas que deveria ser uma nova chance para a fauna e flora. Um recomeço idílico, sem o pernicioso ser humano. E este rapaz é poeta, quem diz que poesia fala só de amor e coisinhas fofas, desenganem-se... o rapaz é ácido na sua escrita. Felizmente, reconhecido o talento fora da corujice da mãe, o rapaz coloca muito dele e da sua visão pessimista do ser humano nos poemas que agora se fazem publicar pelos professores e escola. Danou-se... agora lhe deram razão e o rapaz acha que atingiu o ponto certo.
O Fim do Mundo... saber de antemão o dia e hora exactos do término na vida neste planetinha azul, será porventura algo de desejável? Se um iluminado ser aparecesse na nossa frente e dissesse o dia e hora marcadas da nossa partida deste mundinho de delícias... o que mudaria na nossa vida? O que eu mudaria? O que mudaria para você que me lê? Nada? Tudo? Não, não é uma questão de fazer uma pesquisa de opinião, mas sim apenas um exercício filosófico de ser e estar na vida. Há coisas que gostaria de mudar? Há coisas que ficaram por fazer? Não responda, apenas pense...
Poder dizer sinceramente que sim, vestir preto emagrece, mas não quando se pesa 98 quilos e que a legging fica mesmo... mal. Ou que ele não anda nervoso não, ele é mesmo um parvalhão que não sabe o que fazer com a vida. Ou que ela não é uma pessoa de personalidade forte, mas sim uma grandessíssima cabra.
Poder dizer o que se pensa, fazer o que se deseja... porque um amanhã não há de chegar e aí não há consequências a pagar. Já conheci um caso de diagnóstico errado deu um tempo de vida curto à uma certa senhora... que lhe deu aso de sair a comprar e a passar cheques carecas, aproveitando até ao último momento as suas necessidades pessoais sempre dominadas pela vida.
E é aí que eu queria chegar...
... vivemos a vida que queremos ou afinal, vivemos a vida que nos permitem ter? Quando digo permitem, digo a sociedade, a família, os usos e costumes, as leis e as normais morais. Quem é religioso, provavelmente há de pensar que, aguentando todos os trancos da vida com muita humildade, se sentarão ao lado de deus no paraíso celestial, onde leões comem erva ao invés de gente ou outros animais. Ou que deus lhe dará 72 virgens (e só mesmo alguém muito empenhado em inaugurações há de achar piada de iniciar 72 mulheres) para compensar a vida de mártir que lutou até ao último explosivo pela palavra de deus...
Ou então que subiremos e desceremos as várias escadas de avatares até chegar ao nosso ponto máximo de lucidez espiritual. Portanto, quem do seu modo vê na religião a compensação de deixar de viver, faz troca por troca que sujeita não só a vontade como a personalidade. O medo vence perante a incerteza nesse caso.
Olhando para trás... no caso do fim anunciado, acha que fez tudo certinho e de sã consciência? O certinho é quando não prejudicou ninguém, ou que foi oportunista, passando por cima de outros para chegar ao seu objectivo. Fez tudo aquilo a que se propôs fazer... ou ainda está naquela base do: ainda há tempo? E o tempo... é pra gastar em que? Acumular coisas? Fama? Fortuna? Glamour?
Ou anda lutar por aquilo que não tem preço, aquilo que não se alcança com lucros ou arrastando-se pelos templos? Pergunte à qualquer pessoa que venceu uma doença mortal, que começou a ver que as coisas não eram assim tão seguras na vida e que o que tomamos por adquirido não é garantido. Tempo para ter e fazer.... não é uma garantia. E começaram a ver a vida de outro prisma e a saborear de outra maneira os pequenos grandes detalhes da vida. Sem lamechices.
Segundo consta pela NASA, há "apenas" cerca de 1.200 cometas e meteoritos vagando pelo espaço a serem vigiados, pois cada um deles é um potencial calhau a atingir aqui o planetinha azul. Calhando de um deles lembrar de vir cá fazer uma visitinha, a maior parte da vida do planeta vai desaparecer. Tirando isso, se dois dos maiores vulcões do mundo se lembrarem de acordar e tossir com mais força, as nuvens de gás e cinzas, juntamente com as movimentações das altas e baixas pressões, levariam ao encobrimento do sol e um voltar à uma era glacial forçada. Morreriam mais de três quartos da população terrestre, o que para meu filho mais novo ainda não será o ideal. Os ciclos dos grandes abalos sísmicos estão aí mesmo a chegar, a falha de Santo André, a falha Atlântica e a falha Asiática, andam em permanente ajuste. Em cada mexidela mais se afasta o Japão do seu lugar no mapa assim como a Índia entra mais um bocadinho por baixo do Himalaia. Sem falar nas epidemias e endemias. Outro assunto interessante.
Portanto, a bola continua em campo e até o apito final de cada um a pergunta permanece: vive-se aquilo que se quer... ou aquilo que se permite viver? Procura-se ter muitas coisas... ou a paz interior, sem medos do Inferno ou Paraíso? Até que ponto precisa de um dia marcado para fazer jus aos sonhos?
Mas espero com grande ansiedade que passe o dia 12 e o dia 21... não por causa do fim do mundo, não porque sinto algum peso na minha consciência É porque aí, eu quero ver qual será o raio da desculpa que o meu filho há de dar para ter aquele quarto num verdadeiro estado de calamidade geral.
Apareçam
Rakel.
:) Manuel... obrigada tanto pelo comentário como pela visita aqui no blog. Não fosse a mulher essa complexidade cativante, não teriam tantos poetas e demais artistas a maior necessidade de recria-las todos os dias nas suas obras...
ResponderEliminarBjo e continua por cá...