Reflexões Outonais



Há qualquer coisa de muito relaxante, para mim, observar como cada estação se manifesta. Talvez por isso as duas que mais me atraem sejam a que mais marcam os começos e fins, nesse caso a Primavera e Outono.  Estando agora no Outono dá-me a oportunidade de ver, sempre que assim me disponho, como a natureza vai encontrando o interlúdio necessário antes de adormecer.

Hoje, diante de uma janela enorme, vi como o vendaval desfolhava energicamente as árvores, vi aquele bailado nervoso de cores quentes... do amarelo pálido ao castanho mais forte; um chão atapetado de folhas e o cheiro inimitável da chuva misturada com elas. Um desfolhar de emoções... A natureza sabiamente consegue esse meio tempo entre o dormir profundamente e voltar à vida com as estações intermédias. Sempre vi o Outono como um desacelerar, um ritual antes de deitar sem pressas, uma preparação necessária para um sono perfeito. É verdade que não gosto do céu cinzento, nem do frio que começa gradualmente a apertar, mas finalmente entendi o valor dessa desaceleração.

Entendo que os momentos como este, intermédios, são necessários para a reflexão. Muita gente procura um estado Zen, um exercício ou uma filosofia de vida que permita resolver as tempestades interiores, aquilo que chamamos de stress. Acho que o estado Zen, a calma interior, tudo isso precisa mais do tudo de uma preparação. Não é modo como se respira, a postura, o incenso que se queima, nem nas palavras inspiradoras de um poema Haiku. É a capacidade de olhar interiormente e saber lidar com isso. Por muitas aulas de yoga que se proponha fazer, por muita meditação que se proponha começar, nada disso adianta enquanto não se começa a questionar-se. Essa é a preparação.


E mais ou menos como o bailado das folhas ao vento, da chuva chocando contra os vidros da janela ou a névoa da manhã, nada se faz sem algum trabalho. E esta estação exige isso mesmo, que se faça uma reflexão e que egoistamente olhemos um bocadinho mais dentro de nós e comecemos a sentir essa necessidade de desfolhar e deixar que vá com o vento.

Todos os dias somos confrontados com as exigências de uma vida social: desde o maldito despertador que nos acorda na hora que nos é exigida até ao final do dia com o relógio de ponto, o prazo de entrega de um formulário, as filas, os transportes e as obrigações de casa. Não há tempo, ou esquece-se de pensar... ou na pior das hipóteses evita-se de o fazer.

Mas aprendi a tirar o maior partido daquilo que considero a melhor lição de vida, a natureza em si mesma como modelo de atitude. Esta é, por isso mesmo, a minha estação preferida para reflexionar. Há uma data de coisas que durante meses massacraram a minha cabeça: a política, o custo de vida, a incerteza em tudo, a precaridade, a violência gratuita, o desmerecimento da vida no seu todo, a negligencia dos valores. E quando o desgaste começa a se fazer sentir fisicamente, é a hora que entendo como de começar a desacelerar...

Dou-me por satisfeita pelo facto de que vejo a chuva das janelas da minha casa, porque felizmente tenho casa, de ter uma caneca quentinha com chá ou um deliciosamente pecaminosos chocolate quente, porque gosto e me sabe bem. Gosto muito de dias assim, saber do meu aconchego, da lareira, da companhia dos filhotes e do gato mimado. De sair depois de uma boa chuvada e sentir o cheiro do ar limpo, das cores de folhas no chão e da vivacidade que o verde perene dá à paisagem. De sair para me encontrar com amigos porque gosto de estar com eles e elas a conversar, mas sem fazer disso uma rotina obrigatória e repetitiva. Escolher e poder dizer que não se prefiro continuar a devorar um livro do que o espaço fechado e carregado de fumo de um bar.


Gosto muito da sensação acolhedora e cúmplice da música, que não necessariamente há de ser a clássica, mas a sua companhia constante mesmo quando fecho os olhos e deixo a mente divagar em pensamentos ociosos. Nem preciso de um vinho de marca XPTO para saborear bem a música ou um Whisky de 12 anos... pode ser mesmo um Mead feito em casa e com 17º. Há algo de particularmente reconfortante de saber que fui eu que fiz, já que composição musical deixo à quem de direito... e saber que a minha própria companhia não me aborrece nem um bocadinho. Nem que preciso de procurar em dezenas de pessoas uma forma de não me ver só, porque só não sou. Apenas escolho os momentos que prefiro ou não a companhia de outros. Não é um "basto-me à mim mesma" . É saber que não há fugas nem esperas, mas o momento certo e melhor para oferecer e receber a companhia do outros.

E não há nada de egoísta nessa situação, nem de anti-social. É balanceamento de  momentos da vida. E no meu Outono dá tempo para tudo... até pra pensar se realmente agora, depois da tão apregoada crise, o Natal começa a ter o significado que as pessoas dizem: menos comercial (já que as carteiras andam falidas) e mais o convívio e a simplicidade de viver a data como ela é. Um momento de reflexão e de começar a pensar de verdade na Paz e Fraternidade. E perguntem com toda a frontalidade à si mesmos o que realmente é importante na vida... e façam uso disso.

Sem yoga, sem filosofia Zen ou meditação... e faça disso o seu poema Haiku...

Reflitam

Rakel.

*foto das gotas : José Freitas

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