Dando significado à figura de expressão, T-Zero é a nossa cabeça. Aquele lugar aconchegante e ao mesmo tempo bagunçado onde se desenrolam milhares de acções e ideias mais ou menos luminosas. Costumo, em jeito de brincadeira, dizer que tenho duas neurónias dominantes no meu ensolarado T-Zero: uma circunspecta , razoável e adulta e outra completamente desaustinada, criançona e apalermada. Ambas vivem no espaço sem grandes problemas, até porque a bem de uma certa maneira de estar da vida, a dominante seja a certinha. Isso não quer dizer que a criançona de vez em quando não salte pra janela e faça uma das suas... é inevitável. Mas ambas tem o mesmo vício: colectam experiencias e lembranças.
Ora, com o passar do tempo, e com as várias experiencias de vida, ambas atulham o esconso espaço de muitas coisas: ideais, lemas, condutas éticas e morais e linhas de objectivos. Isso sem falar nos múltiplos caixotes de coisas arrumadas e guardadas, em jeito de soluções encontradas. Mas os caixotes lá estão e há sempre aquela pequena tentação de ir lá ver se aquilo está mesmo arrumadinho ou se já foi tomado de ataque pelas traças.
Não há dúvida que uma das maneiras de começar bem a uma nova fase da vida é deitando fora coisas que já não nos serve de nada e ocupam espaço. E o espaço é algo de verdadeiramente precioso quando queremos colocar coisas novas. Há aquela lei da física incontornável, de que dois objectos não ocupam o mesmo espaço ao mesmo tempo, a não ser que você que me lê acredite em mundos paralelos e que duas dimensões diferentes convivem sem atropelos no mesmo espaço físico e temporal. Mas isso é outro assunto...
Daí que não adianta nada querer fazer coisas novas na vida ou querer novos objectivos, quando o espaço que lhes cabe está a ser usado por coisas velhas e guardadas há muito lá no sótão do T-Zero. E aí, nesse momento, quando se abre a porta do sótão e decide-se a olhar para aquela caixotada toda, é que vemos a coragem e o espírito de decisão que são precisos para começar a limpeza geral. Decidir o que fica e o que não fica, aquilo que é inócuo e o que já foi tomado pelas traças... embora seja uma coisa resolvida e bem dobrada e esquecida. Há coisas que precisam ser mesmo deitadas fora.
Não fica o assunto preso apenas pelas experiencias já encaixotadas não, há que fazer uma reformulação de tudo que nos rege: a forma de ver e estar na vida, os ideais que fomos cimentando com as nossas vivências pessoais, ok, juntemos também aquelas que nos são impostas desde que sabemos falar e do tempo do "nãomexeaí" , que é mais ou menos por dizer do tempo que aprendemos a andar e a ter um fascínio único pelas fichas elétricas lá de casa.
Há que deitar fora ideias e maneiras de ver a vida... mais não seja por puro exercício de lógica, e como toda aquariana que se preza, lógica é fundamental. Se por experiencia própria já viu que a uma ideia ou uma forma de vida não funciona... é porque realmente não lhe serve de nada essa teimosia militante e que a espera não há de lhe trazer o que realmente quer. Esperar só trás uma coisa: tempo perdido inutilmente. Tempo é algo que só se dá o real valor quando já se sente que há pouco, que olhando pra trás, ficou imenso por fazer . E ficou na espera que acontecesse por si mesmo tudo aquilo que pensou que é importante e absolutamente necessário.
Posso dizer por mim mesma, que fazer essa limpeza no sótão do meu T-Zero não foi um assunto simples, mas foi absolutamente necessário. Difícil, sem dúvida que sim, mas há que dar espaço para novas ideias e novos objectivos, e isso não acontece por acaso e nem sai barato... tem os seus custos.
Mas uma coisa aprendi nessas limpezas: a vida é mesmo irónica, sem qualquer dúvida. Se desejas ela dá...mesmo.
Aprendi que muitas vezes a gente coloca as fasquias dos nossos desejos e necessidades num determinado ponto. Desejamos algo que, para a nossa visão, é absolutamente imprescindível. E a vida nos dá isso, com mais ou menos lutas. E quando realmente a vida, na sua safada ironia nos dá isso, vemos por fim que esse desejo ou essa necessidade imprescindível não era o que precisamos.
Por outro lado, as coisas que não queremos, que não ligamos ou damos valor... são exactamente aquelas que realmente fazem todo o sentido na nossa vida.
E a ironia está nisso mesmo: desejamos aquilo que não precisamos e recebemos aquilo que não queremos e é isso mesmo que foi feito para nós.
E se formos olhar bem para todos os caixotes, para todas estantes e gavetas tão bem organizadas de assuntos, lembranças ou ideais vividos, veremos que as coisas que nunca esperamos e nunca desejamos foram as maiores mais valias da nossa vida.
De uma coisa estou certa, de tantas conversas e desabafos trocados este ano todo, em que ouvi repetidas vezes de várias pessoas o desconsolo de não ter conseguido a sua realização pessoal (e isso no caso dos "ocupas" do T-Zero é coisa recorrente) é porque são sempre os mesmos critérios e ideais que submetem as escolhas e opções de vida. Há que mudar de táctica quando as coisas não correm bem, porque perseverança vira teimosia cega quando, mesmo quando as evidencias mostram que assim não vai lá, insistem na fórmula.
E não dá pra se ver livre de um "ocupa"* quando não se deitam caixotes fora com os pertences diretamente ligados ao sujeito. E fazer ordem de despejo assim, não dá certo, leva imenso tempo, custa demasiado em termos emocionais e preferível será que o "ocupa" e o dono do T-Zero cheguem à um acordo lúcido. E não é preciso esperar pela Primavera para fazer as limpezas grandes... estas exigem muito esforço sim, tem os seus custos, mas garanto: deitar fora o que não serve, o que não nos acrescenta nada é muito melhor do que andar nostalgicamente andando de caixote em caixote a lembrar o que foi ou o que poderia ter sido. E nisso engloba as relações microondas: aquelas que esfriam e são colocadas vezes sem conta a reaquecer.... até ficarem secas e intragáveis... lixo com elas.
Porque de uma maneira ou outra, no fundo, mesmo tudo resolvido... ainda sabemos que naquele caixote ou gaveta está o que ficou. Mudar por dentro para mudar a minha volta, um bom modo de começar o ano que vem por aí, com espaço para novas coisas. :)
Apareçam
Rakel.
* "ocupa" é geralmente denominada aquela pessoa que, sem pedir licença sem ser dono ou pagar uma renda, entra e ocupa um espaço que não lhe pertence. Na nossa gíria pessoal, significa aquela pessoa que entrou no T-Zero e custa a sair mesmo com ordem judicial, a TVI e a PSP a ajudar no despejo.
Gostei muito da ironia do "desejamos aquilo que não precisamos e recebemos aquilo que não queremos e é isso mesmo que foi feito para nós".
ResponderEliminarE irónico também é despejar o T-Zero, reformular as tácticas, para ocupar de "novas coisas" e eis que o "novo" é o mesmo que se reformulou e temia voltar, ai, ai...
Mas, novo ano volta e tentamos recriar o espaço, outra vez, e outra vez e outra vez :))
Olá Anita...
ResponderEliminar...se uma pessoa diz que despejou o T-Zero, que deitou coisas fora e que reformulou novas tacticas e mesmo assim retornou ao ponto inicial... é que fez batota com ela mesma e apenas mudou as coisas do sótão para a cave. O que não deixa de ser mesmo batota. Por isso Anita, que a maior parte das pessoas repetem as mesmas entradas e saídas de situações que tão bem conhecem.
Mas... há um certo momento na vida que ou decide-se ser honesto consigo mesmo, ou vai perdendo uma vida inteira nesse looping interminável. E por muito que se tente explicar que deitar fora é mais saudável que guardar, cada qual escolhe aquilo que lhe é mais confortável. E nem sempre o confortável é o melhor... :)
Não gosto de Déjà Vu como tema principal numa vida; ela é curta e tão cheia de coisas para ver e conhecer que até é um crime despreza-las...
...realmente, às vezes, parece que fazemos batota sim, e remexemos no T-Zero e afinal só mudámos o lugar das coisas...mas nem sempre isso é escolher o lado mais confortável, pelo contrário.
ResponderEliminarSó com uma limpeza mais profunda sim, para seguir em frente...(com a coragem para deitar fora)
Boa Noite
Boa Tarde Miocárdio! :)
ResponderEliminar..entendeste bem o que eu queria dizer...