Não há nada como uma boa campanha de marketing para transformar qualquer coisa que seja pouco atrativa em algo desejável. Facto é que, qualquer político sem vergonha que seja, consegue passar por anjinho com uma boa campanha de imagem e caracterização; daí que não seja nada de estranhar que os antigos papões das histórias de meter medo hoje são os mais populares.
Não muito longe da fábula do Patinho Feio ou da Bela e o Monstro há esta singular maneira de ver a realidade de que o amor vence tudo e que, aos olhos de quem ama, até o mais horrendo Quasímodo é digno de um lampejo de esperança, pois nele habita um coração puro como os arcanjos. A ficção baseia-se nisso mesmo, a capacidade de encontrar no pior lado algo de bom, um fundo intocável e admirável, escondido apenas para a pessoa certa. Não admira portanto que os malditos, nesse caso os vampiros e lobisomens das diversas sagas e séries, sejam tão apelativos. Há sempre uma atracção fatal pelo lado mais obscuro e mauzinho da questão. Quem das leitoras nunca ficou embeiçada pelo rapaz perigoso e meio selvagem...que atire a primeira pedra.
E foi pensando nessa simbiose marada do certo e errado, a redenção do lado obscuro ou que ninguém é totalmente mau... dei em matutar nestas fábulas todas do amor impossível entre lados antagónicos ou condições sociais desiguais. Podia começar sem erro com Romeu e Julieta a mais conhecida história de amor fatal (nos dois sentidos), mas podia me esticar até Tristão e Isolda, mas... são ficção não é? E de realidade? Que dose de realismo há num amor fatal, não daqueles fruto de violência doméstica, mas trágica por si mesma pelo mesmo motivo de sempre : convenções sociais e época. Aquela situação particularmente irónica de encontrar a pessoa certa...na hora errada. Há assim essa história?
Custa-me um bocado a crer que uma das mais belas e trágicas histórias de amor continue fazendo parte apenas dos livros de sala de aula, que permaneçam embrulhados em datas, locais e motivos. Custa-me que grande parte da história romântica de Portugal seja vista como uma cena aborrecida e pouco apetecível.
Tudo porque me lembrei de Pedro e Inês...
... e mais uma vez peço que perdoem a minha liberdade imaginativa e de linguagem.
Dizer que nascer na realeza seja um mar de rosas vai muito longe da realidade, ainda pra mais nascer numa época em que a esperança de vida rondava praí uns 40 anos de idade... era praticamente uma vitória ter um final feliz. Casamentos pré programados ainda nem bem os noivos tinham saído dos cueiros era prática normal, assim como estarem-se nas tintas para o facto de gostarem ou não um do outro. Portanto, o Rei D. Afonso IV decidiu, por bem do reino é claro, que o filho o Infante D. Pedro de Portugal aos 8 anos de idade se casasse com uma mocita de 13 anos, Branca de Castela. Inaudito dirá o leitor, mas muito normal na época, até porque ela era uma prima afastada e assim poderia ficar tudo em família. Mas a coisa correu mal porque a menina tinha alguns.. problemas físicos e mentais, portanto foi repudiada, casamento anulado e remetida para um convento e morreu abadessa.
Portanto, aos 9 anos de idade Pedro já era separado... mas ainda estava na mira de um novo casamento. Desta feita a mocita chamava-se Constança Manuel, uma nobre que tinha enviuvado aos 7 anos de idade... Aí não teve erro, com 16 anos de idade, D. Pedro casou-se com a viuvinha Constança. Não vale nem a pena dizer que aquilo que não se faz e nem se escolhe por gosto corre mal. Então, o belo casal de Infantes, ele com 16 anos e ela com 14 casaram-se em 1336 por procuração e só se reuniram 3 anos mais tarde. Mas como toda nobre da época, Constança trazia consigo as suas damas de companhia e uma delas, assim que o D. Pedro bateu os olhos... o coração deu um pinote, revirou e apalermou... Inês de Castro pelo seu lado também apaixonou-se pelo futuro Rei... e quando o fogo chega à palha, não há quem segure.
O mais interessante da questão é isto: Pedro era casado e futuro sucessor de Afonso IV, dever de sucessor é fazer logo que possa um outro sucessor, não vá o destino tecer alguma patifaria. Cumpriu o seu "dever" e deu sucessor, o Infante Fernando. Mas mesmo com o dever a frente de todas as outras coisas, Pedro fez finca pé e não arredou de perto de Inês, estava-se puramente nas tintas se era algo de aceitável ou não. Coisa de quem nasce sob o signo de Áries, aquilo é pavio curto e movido pelas paixões. Deixou de lado as convenções, e mesmo quando o pai resolveu isolar Inês para longe da corte, Pedro fez um manguito e foi ter com ela. Eram muito felizes juntos e tiveram 3 filhos: Beatriz, João e Dinis, a grande alegria de D. Pedro.
Mas o rei Afonso IV, um tipo que emprenhava pelas orelhas, achou por bem seguir os conselhos dos amigos mais chegados e "preocupados" da Corte e anuiu com um macabro plano. Aproveitando uma das saídas de D. Pedro nas caçadas, foram à Coimbra, onde D. Inês vivia com os filhos e assistiu como 3 covardes mataram a sangue frio uma mulher e 3 crianças (que ao fim e ao cabo eram netos dele) em nome da sucessão. Ao dar-se conta da tragédia, D. Pedro, que já de si tinha rastilho curto e temperamento fogoso , passou-se mesmo de todo. Rompeu com o pai, declarou-lhe guerra aberta e foi atrás dos assassinos da sua querida Inês e filhos.
Conta-se que a sua fúria era tão grande e a sua necessidade de vingança era tamanha, que apenas um dos assassinos escapou, aos outros dois foram-lhes arrancados os corações dos corpos pela própria mão de D. Pedro... um pelo peito e outro pelas costas. Daí o cognome de D. Pedro I O Cruel, embora muitos o chamem de O Justiceiro. Nunca mais amou ninguém, nunca mais se recuperou da morte de Inês... e contam que, quando foi coroado em 1357, fez exumar o corpo de Inês de Castro, declarando-a Rainha por direito, pois tinham-se casado em segredo. E os subditos foram obrigados a beijar a mão da Rainha Cadáver.
Depois disso, D. Pedro I mandou fazer dois túmulos onde o corpo de Inês e o dele repousariam no sono da morte. Pediu também, que os túmulos fossem colocados um em frente do outro, para que depois do juízo final e no dia da ressurreição dada por deus, ao se levantarem do túmulo... se vissem cara a cara. Reinou durante perto de 10 anos e foi tido como um Rei justo e amigo do povo.
Muitos dizem que o casamento de D. Pedro e Inês era falso, mas acredito que o que faz sentido no coração tem mais valor do que as convenções sociais passadas num acordo de papéis. O que nasce e vive perdura... o que seca e nunca existiu... acaba. E enquanto os anjos embalam o sono eterno de Pedro e Inês... me pego aqui na minha mania de comparações e associações e revejo D. Pedro mais ou menos na pele de um Eric Draven, o tipo que sai do mundo dos mortos para vingar a morte da noiva... Shelly.
Fica a dica desta banda que conta a história de Pedro e Inês, como sempre, sendo uma banda nacional e com todos os pruridos que há em apoiar música que não seja pimba... é desconhecida. Aqui ficam duas dicas: vá ao Mosteiro de Alcobaça e fique um bocadinho lá em frente aos túmulos pra sentir o clima... a outra é: valem as convenções mais do que o curto espaço de tempo que a vida nos dá?
Apareçam
Rakel.
Foto de capa : José Freitas
PS: se o leitor ainda não entendeu.. o amor gótico é sempre trágico... mas eterno, sem importar-se com a morte... porque a alma nunca morre :)
Comentários
Enviar um comentário
Estamos ouvindo