As Vinhas da Ira




Chegados ao mês de Setembro espera-se pelo começo do Outono, do desnudar das árvores, da vindima, dos dias que vão encurtando a pouco e pouco... e desta vez por uma sensação de desanimo geral.
Sendo este país um produtor nato de vinhos e afins, não é de estranhar que há umas boas décadas atrás, um governante tenha dito que "Beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses". Esta frase fez parte do repertório pós Estado Novo, dos que contra o regime apontavam esta frase como sendo uma forma de alienação do povo por meio do álcool e de todas as vicissitudes que as famílias passaram por conta dessa bebida.

Hoje em dia, em prol da modernidade, postos de trabalho e de uma maior exportação enaltecem a cerveja em propaganda motivacional. Aí fica a pergunta no ar, já que as últimas pesquisas apontam para um aumento alarmante de bebedolas em idade adolescente e no crescimento da violência doméstica tocada a bebedeira, sem contar com os sinistros rodoviários movidos a álcool... cerveja pode e vinho não??? Enfim, os desígnios do Governo são mistérios para o Zé povinho que vai levando como pode a vida, em arrasto contínuo de indignidades. Enquanto outros países negociam o preço do barril, aqui aumenta-se sem pejo nenhum.

Bebe-se uma cerveja na esplanada depois do trabalho, dá-se tratos a bola do que há de ser o jantar, as contas pra pagar, os clientes que devem (e que andam tão tesos como nós) no começo das aulas, na inspeção do carro, dos pneus por trocar, do IMI que é um exagero, mas com aquele ar beático nosso de cada dia de que tudo está bem. Ficamos a ouvir os nossos filhos a dizer que vão fazer as malas e partir para outros países, ou então filhos dos nossos amigos que tomam a mesma resolução, pois o país onde nasceram não apresenta perspectivas de vida. O mesmo povo que nos anos 50 e 60, em pleno regime do Estado Novo se viu obrigado a emigrar, volta agora depois de um 25 de Abril sobrevalorizado a fazer o mesmo: sair de casa e meter as caras no mundo.

A verdade é que pouco muda dentro do miolo tradicional nacional em assunto político: os que mandam estão bem, não abrem mão das benesses e os que estão em baixo sustentam os que estão em cima para que continuem com benesses. Dirá o leitor  que agora há mais liberdade de expressão e que "o povo é quem mais manda" ...  a cassete do costume. Mas não é bem assim... quando uma pessoa passa por uma assim, é de perguntar onde pára a igualdade de deveres e direitos que a Constituição Portuguesa tanto alarde por aí. Há sempre uma faixa social que beneficia de privilégios que escapam ao normal mortal e pagador de impostos... e não estou a falar só da classe política, onde um Relvas passa impune na prova final de curso de aldrabão.

E tal como nas Vinhas da Ira, anda um povo a aceitar isso tudo durante tempo demais: mal pago escorraçado das suas casas, na penúria e agarrando-se ao sonhos e esperanças. Se não conhecem a história do livro, ela conta a história da família Joad que depois de perderem as terras após outra má colheita, agarram numa carripana e partem para a Califórnia e pelo engodo de anúncios de trabalho. A realidade de bom salário e alojamentos, se faz ver num campo mais ao menos ao tipo dos refugiados e com salários de miséria, já que há mais gente para trabalhar do que trabalho. A acção se passa nos estados Unidos depois da Grande Depressão de 1929, onde mais uma vez, a arrogância americana fez tremer as bases da economia não só deles, mas de outros países que investiram com eles.


Os ciclos vão-se repetindo vezes sem conta, e embora a memória das pessoas se faça curta, há quem escreva sobre isso, há quem se recorde das hecatombes não feitas a base de bombas, tiros ou aviões arrasando com prédios. São feitas pela mente mesquinha e perversa de quem quer ter mais do que tem já, de uma sede insana de poder, mesmo que para isso ande uma nação inteira penhorada, sem casa e sem futuro. Li esse livro há uns 30 anos, juntamente com outros semelhantes ao contar a nossa capacidade de luta e ao mesmo tempo de servidão, num modelo que a princípio deveria ser com base na Democracia.
Hoje é dia 11 de Setembro, não me apetece falar do aniversário dos que morreram nas Torres Gémeas, nem no alarve do Presidente Bush.



Se me permitem sugerir alguns livros para ler, ficam alguns que talvez se revejam neles em alguns aspectos, ou façam prestar mais atenção ao que a humanidade faz e se  refaz em modelos e aprende pouco com a própria história.

As Vinhas da Ira ; O Inverno do Nosso Descontentamento- ambos de  John Steinbeck
Os Cavalos Também Se Abatem - de Horace McCoy
As Mãos Sujas - Jean Paul Sartre
A Peste - Albert Camus

Qualquer biblioteca terá alguns desses livro, clássicos da literatura moderna que... bem, não é o Twilight, mas é a nossa realidade para além da fantasia. É que fantasia já não é uma alternativa...


Apareçam

Rakel.

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