O Poder da Sugestão ou O Advento "Maria - Vai - Com - As - Outras"



Há coisas fabulosas que o nosso cérebro é capaz de fazer, múltiplas funções em fracções de segundos e sem a gente dar por nada: desde o movimento dos nossos dedos numa coçadinha involuntária ao nariz naquela comichão chata, a digestão depois do almoço ou até o piscar de olhos. Movimentos involuntário feitos sem a gente dar conta e processos complicados que envolvem químicos e movimentos. Depois é um repositório de lembranças, cheiros e cores, uns mais que outros, é verdade, mas mesmo assim carregadinho de informação. Mas essa brilhante e genial máquina, também tem os seus dias de preguiça e prefere deixar que a informação exterior chegue e tome conta do espaço.

Há também um factor básico no ser humano: a curiosidade opiniosa. Daí que os que sabem que a curiosidade humana é um ponto básico e facilmente manipulável, tornaram-se estes descobridores verdeiros artistas em nos sugerir de um tudo. Desde os famosos vendedores da banha de cobra, dos miraculosos elixires curadores, das que lêem a sina até aos publicitários...o mundo da propaganda evoluiu demais. E sugerem, nos espicaçam os miolos e nos fazem desejar exactamente aquilo que nos passaria ao lado se ninguém dissesse nada. Aí você deixa-se sugestionar para ter uma opinião depois... certo??

A sugestão é um poder tão grande, tão forte, que foi capaz de colocar meio mundo e homens grandes e de respeito a usar crocs de cores berrantes e bermudão, verdeiro atentado estético e do bom gosto, houve líbidos femininas que afundaram perante o cenário. A maior parte das coisas que dizem que nós precisamos muito, muito mesmo, que nos darão um conforto fora de série ou nos darão uma luz no fundo do túnel... estão na mão dos que bolam as campanhas publicitárias. Verdadeiros magos da sugestão, onde um hambúrguer delicioso e enorme (seja de que marca seja) aparece na tela nos chamando para ir lá e saborearmos aquele gigantão....sem dizer que lá de verdade, na loja, o tal do hambúrguer é pouco maior e com mais ou menos a mesma espessura de uma bolacha maria.

Mas essa cena da sugestão, que funciona mais ou menos como a própria sedução, resulta pra tudo: o detergente que lava mais branco, a escova de dentes com cabeça que entorta, o carro que ajuda no estacionamento, a bebida que é a nacional e que se não bebe não é bom cuidadão... enfim, o que vende, o que dá lucro e o que não precisamos para já. Se por acaso o uso da sugestão funcionar bem, milhares seguirão a sugestão... e desgraçado de si se não segue.

A maior parte dos anúncios publicitários de ordem cultural ou até mesmo de utilidade pública, aqui neste país a beira mar plantado, fica por conta do canal 2 que pelo jeito deixará de existir. Ficam assim entregues sabem os deuses em que mãos os programas culturais e os filmes de culto.

Mas as grandes editoras, essa gulosas que investem naquilo que lhes cheira a grande lucro, investem pesado em determinados autores dependendo da época em questão e do panorama social e político da ocasião. Daí que o tal livro O Segredo, um colcha de retalhos feito  com saberes e dizeres que vão desde um Augusto Cury ao Osho, explica uma lei milenar e contada por iluminados por várias gerações, mas sem encadernação e sem fricotes, vendeu horrores. A verdade é que a lei da acção e atracção é das mais velhinhas do mundo e faz disso a base do nosso céu e inferno particular. Pegar nisso tudo e colocar um nome sugestivo... e sem vender ainda um único  exemplar e dizer assim mesmo que é um sucesso absoluto... é com vender pãozinho quente. Fácil.

Foi o que aconteceu com o romance do Dan Brown e o Código, livro esse baseado em livros de outros autores (esses sim, que suaram as estopinhas em muitas pesquisas) e com uma boa propaganda vendeu horrores. Mas me pergunto quantos leram um dos livros onde ele se baseou: The Holy Blood and The Holy Graal ou A Dama do Vaso de Alabastro... nem ouviram falar deste livros que já contam com uns bons anos em cima.

Agora a novidade é o Fifty Shades of Grey, livro que faz parte de uma trilogia que vai vender horrores e que conta com uma publicidade brutal. Não tem a pujança de um Sándor Márai, aliás este faleceu antes da queda do muro de Berlim e só agora começam a aparecer publicações deste autor. E aí reside outro grande problema na actual literatura. Se o vocabulário é fácil, se o livro tiver um bom espaçamento de linhas a obra então tem ADN pra vender. Se o vocabulário exige mais um bocadinho da caixa craniana... aí a coisa pia fino. Quando ouvi aqui há uns tempos, que no clube de leitura da Oprah acharam o Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez um livro "difícil" compreendi como mudou o aspecto de toda essa publicidade na literatura. A malta anda curta de vocabulário, sem cheta, sozinhos, desmotivados... portanto oferecem aquilo que eles precisam e bem mastigado...

É isso!!!! O livro Boião, a papinha toda feita em vocabulário simples e um parágrafo por página... que é pra levar pra casa e pensar. O livro cinzento há de virar filme, fazer imenso sucesso e não vou dizer que seja desmerecidamente, porque afinal consegue com tantos salamaleques colocar o povo a ler...

...mas não se esqueçam de todos os que já escreveram: esta é uma boa época para visitar lojas de livros usados, há montes de bons livros a preços catitas.  Leiam... e aprendam novas palavras, é sempre um bom acréscimo ao vocabulário. Porque não há nada que me irrite mais, do que ver gagueira mental e ouvir falar do "coiso" , quando nos chamam de "coisinha"... porque o T-Zero anda emperrado.

Apareçam

Rakel.

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