O Onze Que Afinal Era Só Um



Cenário em questão: a esplanada na praça 5 de Outubro aqui na cidade, em frente de uma tela LCD, as amigas medianamente fanáticas pelo futebol, calor, cerveja, limonada, minuins, nervos quanto baste. Eis a receita de um jogo que não se esperava fácil entre Portugal e Espanha, já que o árbitro em questão não era dos mais fiáveis.

Aqui, vou fazer um stop e recuar um par de décadas: cheguei a ser expulsa da sala de estar na casa dos meus pais por ser... demasiado explosiva a ver qualquer tipo de jogo, até de caricas eu me passava. Entre murros na porta, ao berros e um chorrilho de asneiras, acordava até os mortos e meus pais, uns sensaborões do catano, me indicavam o quarto, onde só tinha uma TV portátil a preto e branco. Aí berrava na mesma, mas fora do olhar paternal.
Depois vim pra este lado do Atlântico e dei-me por adepta do Benfica, o que se traduzia em mais uma data de jogos em nervos, de berraria e xingação. Mas aí, depois de uns descompassos e do olhar firme do meu médico, tive que amainar o ímpeto. O coração andava meio que desorientado entre arritmias e sopros.

"É só um jogo, eles é que perdem ou ganham, tu tens que te acalmar", palavras do meu médico, que se repetiam em cada consulta. Da primeira gravidez...então fiquei mesmo proibida de ver ou ouvir qualquer jogo. Aprendi então a gerir os nervos e saber que aquilo se passa lá e que percam ou ganhem a minha vida continua como sempre foi.

E então foi assim que, com a placidez que me tem dado não só a vontade de me livrar dos remédios, assim como um certo saber estar na vida sem me chatear com o que não está na minha mão, sentei-me com a malta pra ver o jogo. De uma ponta à outra na praça, adeptos com cachecóis, T-Shirts, bandeiras, chapéus... a torcer por Portugal. De uma ponta à outra da praça, em cada bar um LCD na esplanada, muita cerveja e motivação... e o sol que nunca mais baixava e dava pra ver o que se passava na tela. Ensaiada a onda umas tantas vezes (que eu sou uma senhora e não sou dessas cenas) com os cânticos e gritos de guerra, começou o jogo.

Sendo que assisti o jogo com a tal gerencia de nervos e pude me dar conta, apesar da crescente miopia,  que a selecção jogou bem. Deu luta, apesar do festival de cartões amarelos, uma táctica talvez antecipada para "controlar" a equipe no caso de passarmos pra fase seguinte. Não havia fluidez no jogo, as tentativas de bloquear a passagem dos jogadores traduziu-se no zero a zero no 1º tempo. E aí, o que eu ouvia entre os comentários da assistência deu pra ver e sentir o PESO que uma pessoa carrega. E colocaram esse peso todo nas costa do puto CR.

Onze jogadores em campo, onze pessoas a lutar e o povo só pensava que um único jogador estava lá, que só e apenas ele resolveria tudo. Os outros 10 certamente estariam apenas para compor o cenário, desacreditando o valor de cada jogador escolhido para representar a selecção. É esse o mal dos heróis que cultivados a custa de muita propaganda. Os heróis fora das histórias, são de carne e osso, tem os seus dias bons e menos bons e não são infalíveis.

Se por acaso, se sorte nos livres finais tivesse sido a favor da selecção portuguesa, se tivéssemos ganho, nesta horas o sr. Paulo Bento era o melhor do mundo, as suas escolhas teriam sido as melhores e mesmo sem golos do CR as coisas eram assim boas porque ele estava lá.

Bateram-se bem, deram luta, foram ao prolongamento e a sorte ou a gerencia de nervos deu à Espanha a vitória. Não houve festa, não houve buzinadelas até altas horas nem gritos pela rua. Mas se assim se pode dizer, perdeu-se com dignidade. Mesmo sem o CR ter tentado a sua sorte num livre à baliza, mesmo assim, foi jogo e valeu.

Agora, se houver um tantinho pequeno no mundo de boa fé e justiça, que não se ponha nos ombros do Paulo Bento nem no CR o peso de uma selecção inteira. Porque nisso de procurar culpados numa derrota não proporciona evolução. Seria melhor que cada jogador recebesse o carinho e a sensação que são importantes... não apenas um. Além de não ser nada justo, dá nisso. Um peso que se carrega em uma só pessoa e difícil de concretizar seja o que for.

PS: hoje ando aqui perdida com câimbras, isto de gerir nervos sem escandaleira maltrata o corpo...

PS 2: Portugal traz pra casa uma medalha de ouro nos europeus de Helsinquia, passa ao lado das notícias em favor do futebol. Mês que vem há jogos Olímpicos e Portugal mais uma vez será representado...e merecem o nosso apoio. Vão dar o mesmo apoio que deram ao CR??? As mesmas motivações que deram à selecção???

Apareçam

Rakel.

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