Bandeiras e Corações


Um músculo mais ou menos no meio do peito, com aurículos, átrios, ventrículos, válvulas mitrais, bicúspides e toda essa terminologia médica define o coração. Acelerado por inúmeros motivos (abrir uma conta é sempre um sem fim de emoções), alegrias, tristezas e toda essa panóplia de cores que invadem os alicerces cardíacos.

Gela perante uma situação assustadora ou mesmo inesperada e faz um triplo mortal quando soca nas costas ao ver aquele ou aquela pessoa especial. Entre descompassos emocionais e as fragilidades que vai tomando por conta das nossas rebeldias feitas em salgados e doces e mais uma data de gorduras que entopem as artérias, o coração é um verdadeiro campeão, a máquina perfeita. É uma sala sem lotação máxima, que vai albergando sempre mais alguém ou mais uma coisa. E recebe tudo, não discute nem se chateia pelo facto de colocar ambivalências a funcionar ao mesmo tempo.

Sendo brasileira de nascimento, tendo passado a maior parte da minha adolescência na minha terra natal, a minha base como pessoa se fez lá, quando ainda existia a idade da inocência até mais tarde do que hoje em dia. Foi lá que aprendi o amor à Pátria, o respeito e amor pela bandeira nacional, aprendi os hinos. Hinos sim, porque além de aprender o Hino Nacional (enorme) ainda por cima tinha que saber o Hino Da Independência, o Hino da República, o Hino da Bandeira e o Hino do Estado de São Paulo. O lema "Pra Frente Brasil" era o que finalizava as aulas de Educação Física e foram nesses moldes de orgulho nacional que cresci. Efeito ou não de uma Ditadura Militar, o certo é que soube ter amor e respeito pelo meu país. O país onde nasci e dei o meu primeiro ar da minha graça.

Depois, surgiu Portugal, ter que voltar às raízes ancestrais, ao apelo do sangue e cá estou há algumas décadas. Costuma-se dizer que a nossa casa é onde penduramos o chapéu. O nosso lugar, o nosso bem estar e onde nos sentimos confortáveis. Mais tempo passado cá que no meu país de origem me coloca numa posição sui generis : lá, por força da distancia física e de algumas evoluções pessoais, pareço-me menos brasileira, uma gringa hibrida; aqui e por ainda conservar um bocado o sotaque (não porque seja uma teimosia, mas é facto que tenho) sou ainda uma estrangeira. Mas escolhi Portugal como a minha casa e país de vivência. Foi aqui que tive os meus filhos, que continuo a fazer a minha formação educativa e que me sinto bem. Vivo na cidade mais bonita do país, simpática, verde e limpa. E acho-me no direito de mandar umas bocas ao Governo, porque não tenho qualquer tipo de regalia sendo estrangeira. Pago imposto como toda gente (e para as Finanças eu sou cidadã como qualquer outra) e quando é pra apertar o cinto e fazer sacrifícios, não faço menos que qualquer outro nacional nado e criado.

Uma das coisas que mais estranheza me fazia, era que, sendo este país um dos que mais poderoso foi em tempos, que metade do mundo esteve nas suas mãos, perdeu-se por completo o orgulho nacional. Foi preciso que um Scolari viesse treinar a Selecção e puxar pela torcida, obrigar a tirar da naftalina as bandeiras e fazer um movimento nacional. A arma foi o futebol.

Eis que chegados os tempos das vacas magras (e cá pra mim há de ser nos moldes bíblicos, uns 7 anos mais ou menos) em que a taxa de desemprego chegou a limites alarmantes, na voz do senhor que manda cá no país, há o apelo de que o português faça aquilo que sempre melhor soube fazer: lutar pela vida em outras terras, viver noutros lugares como emigrante. Se não fosse talvez descabido, faria-me lembrar o famigerado AI-5, Ato Institucional nº 5 da terra Brasilis, que era mais ou menos do estilo: Brasil, ame-o (com todas as suas podridões) ou deixe-o". Um convite claro que obrigava a dançar a música aceite ou ponha-se na rua.

Tendo em conta que, quem nos devia dar melhores exemplos são justamente aqueles que fazem pior, não admira que muita gente sinta o desalento de continuar por estas paragens. E quando o povo anda todo em baixo, eis que as mentes privilegiadas pegam na velha formula, aquela que deu certo para unir a nação: o Futebol.



Pegam então na equipa nacional, aquela que ganham milhões, daqueles que se dão ao luxo de, com o poder do dinheiro comprar filho, estourarem em noitadas, de salários milionários e de instalarem-se num dos melhores hotéis do país para ficarem em concentração... e a montanha pariu um rato e levamos com 3 golos da Turquia. Bahhhhh... essa foi má atirada né?

A Galpada surge agora como uma moralizadora nacional, usando todos esses coxos deslumbrados da selecção como meio de levantar o orgulho nacional, de fazer com que o povo queira ficar e lutar pelo país. De fazer com que o país valha a pena.




Não estou com amarguras ou estados de ansiedade provisórios. Me dá uma certa pena esse placebo que é o futebol, desse oportunismo medíocre de que, com muita cerveja e uns golos, isto tudo melhora. É preciso muito mais do que uma taça na prateleira na Federação. É preciso que se crie coragem e dar uns valentes pés nas bundas flácidas e inúteis de uma data de políticos, que muito falam e pouco fazem. Que dão os piores exemplos à Nação.

É que, cá dentro, corre sangue português misturado com mais umas tantas gotinhas de outras origens, mas que põe a funcionar um coração brasileiro. Um... não vive sem o outro e um é a razão do outro viver, o coração vive os estados do sangue, quando gela ou queima, quando flui rápido ou lento ou que se deixa palpitar num rio constante.

E amar um país é mais do que amar a bandeira ou o hino... e não escolham por mim aquilo que acham que eu sou. A nacionalidade não se impõe, assim como os afectos e as vontades. São coisas que se entranham na gente e nem tem explicação. E não há traições no meio disto tudo, as coisas são como são.
Uma vez me perguntaram... se era possível amar ao mesmo tempo duas pessoas. Acho que sim, se sou capaz de amar dois países ao mesmo tempo...

Apareçam

Rakel.

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