Ela


Ela enrola a toalha a volta do corpo e limpa com a mão o espelho embaciado, o vapor ainda bailava pelo ar e ela já tentava ver se alguma ruga nova ou uma nefasta borbulha surgia na pele.

Desembaraça o cabelo como faz com tudo na vida, dependendo da sua personalidade: ou aos puxões enérgicos e com aquele desfiar lento de mecha a mecha. A vida por vezes embaraça-se de tal forma, que aos puxões só se consegue arrancar cabelos, devagar leva tempo e nem sempre há paciência...

Passa pelo corpo, ainda morno do banho, uma boa camada de hidratante, faz dele a protecção necessária para aguentar os embates do dia. Um tipo de couraça invisível que ela leva consigo. Não se nota nada, mas são precisos mil cuidados quando tem que se proteger. Lá porque lhe tomam por fraca e indefesa, por mais que muitas façam disso meio para se valorizar, ela sabe...ela sabe-se mais forte do que julgam.

Ela sabe que não foi pedindo licença que conseguiu chegar aonde chegou, onde muitos pensam que fazer beicinho, umas lágrimas e alguma sedução resolve, na verdade é preciso ser corajosa para tomar muitas decisões difíceis. 

Ela toma o seu café da manhã, com o mesmo pragmatismo com o qual toma as atitudes, medita e pondera as melhores opções que pode tomar, enquanto a caneca roda nas mãos. Casa, filhos, trabalho e relação. A ginástica de ginásio é pouco mais do que um aquecimento pra essa agenda carregada. Junte a isso o facto de que ela tem que saber agradar. Aliás é isso que esperam dela: que ela saiba agradar toda gente.

Sabendo disso, ela sorri perante esse conceito básico bem aceite na sociedade, já que agradar, nem sempre vem embrulhado em laços coloridos e papel brilhante. Ela sabe como ser e estar na vida. Escolheu assim, ser como é.

Não, não tem ilusões, nem sempre consegue ser a batalhadora incansável que, como uma Xena, consegue vencer tudo e todos. Há alturas que o cansaço toma conta, que as passadas se tornam pesadas e difíceis de suportar, mas é só uma questão de tempo, passado um bocado, encontra forças que nem sabia que tinha. E tudo por causa de um sorriso, uma risada ou até de uma pequena surpresa.


Ela embirra e briga, é doce  e meiga. A melhor das amigas e a pior das cabras, luta com unhas e dentes, se enfeita e se perfuma pra ela ou para alguém.  Num dia se desmancha em lágrimas e no outro tem o diabo no corpo. É capaz de sair com as amigas com o fato de treino mais batido, pra depois ir comprar pão com saltos de agulha.  Colecciona sapatos e anéis e não liga um corno para as mudanças no plantel da selecção. Ou toma-se de brios e faz justamente o contrário, defende com todos os argumentos o seleccionador e a sua equipe. Perde-se nas noites,  dançando até doerem os pés...ou pode dar-lhe pra ser uma pantufeira profissional e dormitar o fim de semana todo.

Ela não quer se prender à relações monótonas e dominantes, mas ao mesmo tempo procura a alma gémea que a complete. Escolhe com determinação se prefere ser mãe ou não, a perfeita dona de casa ou a solteira inveterada.


Louca, doce, frágil, batalhadora, irresponsável, perigosa, sonsa, sarcástica ou puritana... quem te fez assim mulher??? Quem te fez tão inesperada...quem te vestiu de mistérios ou complicações??? Sabe...é que aquilo que chamam de complicado, muitas vezes é apenas a forma tão sui generis que escolheste viver....

...não é???

Apareçam

Rakel


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