Pontes e Promessas


Munida de uns ovos mexidos e umas tiras de bacon fumado passado na frigideira, sentei-me a ver as notícias. É daquelas coisas que não há como escapar, com os 4 canais apenas na T.V e com a RTP2 a dar bonecagem sem piada. Portanto, desfiou-se na minha frente os habituais apontamentos de greves, Banco Europeu, G20, acidente em pedreira...e isso tudo mais. O bombardeamento na Síria não ajuda nada na digestão. Mas... eis senão quando, no meio de tanta desgraceira e notícias deprimentes, um apontamento de reportagem foi catita de ver.

Segundo parece, lá no Porto, na Ponte D. Luís, fez-se hábito recente (10 anos é recente) colocar correntes simbolizando o amor entre casais. O casal vai la, com uma corrente e cadeado, coloca a volta de algum ponto acessível e prende assim as juras e promessas num dos símbolos da cidade. Escusam de pensar que vou aqui começar a mandar abébias, a criticar a forma como desfiguram esse marco arquitectónico da cidade. Não é nada disso...

Por simbologia, a ponte é sempre uma passagem, seja a ponte encantada Bifrost, que liga Asgard ao nosso mundo ou, bem sabido, as pontes das tradições de fé religiosa. Na tradição islâmica, após a morte, uma pessoa atravessa uma ponte que é estreita como uma corda e nela uma pessoa se equilibra tendo os braços esticados de cada lado do corpo. Em uma mão são colocadas todas as coisas boas que fizeram em vida, na outra são colocados os actos indignos e reprováveis. Durante a caminhada, se as coisas más se vão acrescentando o equilíbrio fica precário, e se só isso é que mais fez na vida, o mais certo é cair da ponte e não chegar ao paraíso. 

Nas tradições célticas, a ponte representa uma prova de coragem, já que é literalmente andar no fio de uma longa espada. É preciso ter coragem, paciência e empenho para poder andar sobre ela, mas o fim é compensatório.

Por outro lado as correntes significam prender, atar e segurar, mas os seus elos representam cada pequeno gesto ou poder que fortalece toda a corrente. Sem elos não há corrente e portanto não há unidade. Mais ou menos explicado os significados dos elementos em questão, passemos então ao busilis em si.

Rodear com uma corrente com cadeado uma parte de uma ponte, talvez seja o mais forte simbolismo entre um casal. A ponte, representa a vida em comum que pretendem atravessar juntos, a corrente acaba por ser uma forma de mostrar que, em cada elo reside a força para os problemas que podem surgir na ponte e o cadeado serve para selar este acordo de fé tácidamente feito. Não há testemunhas, não há sacerdote, nem tão pouco copo-d'água, nem leilão de gravata e liga. Não marcaram acordo pré-nupcial, não se registaram em Conservatória, nem recitaram perante um advogado a promessa de felicidade em conjunto.

Acho que, o maior compromisso, aquele que tem mais peso e é mais válido, é aquele que fazemos à nós mesmos.  Um compromisso de fé no que sente e quer. Daqueles que, quando falhamos por algum motivo, não temos mais nenhum punidor  do que a nossa própria consciência. Por muito pequeno e velado que seja o compromisso que assumimos,  a maior expectativa é a nossa própria, aquela em que colocamos os nossos esforços. Aquilo que sai do domínio público e seja da esfera puramente pessoal, tem maior peso em termos de compromisso do que uma assinatura reconhecida em cartório. Porque, quando falhamos, não podemos acusar mais ninguém do que nós mesmos.

Seja a perda de peso e cortar nos cigarros, deixar de roer unhas, quando metemos na cabeça, sem éditos, um forte empenho em conseguir superar tudo,  dá imenso prazer saber-se forte o suficiente pra levar a cabo seja o que for.

Não sei se já deram conta, que muitas vezes, alguns compromissos assumidos publicamente, acabam a ficar no dito por não dito: "Não vamos mais aumentar os Impostos" ou um "Até que a morte nos separe" ditos com pompa e circunstância, acabem em águas de bacalhau. É que em vez de correntes e cadeados em pontes, são feitos mais para agradar  e fazer efeito.... e tem tanto efeito e segurança quanto um cordel a prender uma porta sem fechadura...

Apareçam

Rakel

P.S: prefiro acreditar nos casais das correntes e pontes, do que nas fotos da cerimónia e vestidos de noiva....

P.S 2 - ...já agora, não acham mais honesto se a frase fosse: "Até que a morte do nosso amor nos separe"? É que isto de andar acorrentado à uma vida sem mais nada do que um hábito...é no mínimo lamentável.

:)

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