Todos os dias que saio a rua , em cada travessa que corto caminho, em cada esquina, o cenário é sempre o mesmo: onde havia uma loja, pessoas a circular, vê-se apenas o vazio. Nem é por ser tarde e más horas, ou cedo demais enquanto todos dormem o sono dos justos. É no horário comercial mesmo.
Cada vez mais, os ombros andam curvados não pelo peso das sacolas e das encomendas, mas de um peso invisível e insustentável de desesperança. Por muito optimismo que tenho, por muita força de vontade que me imponho ter, a verdade é que o cenário que me rodeia mete medo. Medo por mim e pelos meus.
Em cada fábrica que anuncia insolvência e falência, são mais uns quantos que formam este cordão humano de ombros descaídos. Os mesmos que depois de tanto bater portas e subsídios pra aguentar o barco, se pespegam nos centros de saúde com uma guia para o sr. Dr. Psiquiatra. Esse depois se encarrega de passar receitas e mais receitas de medicamentos pra andarmos todos meio dormentes, numa anestesia emocional forçada, apenas pra passarem menos mal os dias de não ter trabalho e perspectiva de vida.
Mas é inevitável, por cada portão fechado, por cada placa de Trespassa-se pendurada, lá a consciência adormecida a toque de calmantes vê o que a incompetência e o desgoverno forjou. Por cada milhão dado à um gestor, por cada obra faraónica e desnecessária começada, por cada centavo dado pra salvar Bancos falidos por incompetência de quem geriu...morre mais uma fábrica, fecham-se mais portas e vamos tomar comprimidos pra passar melhor o dia.
Caminhar pelo que restou de fábricas que fecharam as portas, aquilo que passa é brutal. Um cenário de guerra urbana, onde os soldados lutaram para ganhar a vida, onde as máquinas foram levadas assim como todos os projectos e futuros. Onde ecoavam os gritos, os apitos, o barulho ensurdecedor de trabalho... agora grita um silencio tumular. Ficam restos de vidas e sonhos, murmúrios de risos, o cheiro da comida na cantina ou até mesmo da marmita trazida de casa.
Não há relógio de ponto, nem mesmo a menina da secretária que passa os cheques do final do mês, o estacionamento está vazio, os camiões foram-se assim como tudo aquilo que pode ser leiloado. O que ficou... são despojos de uma vida e de tudo aquilo que se construiu.
Não percebo muito de política externa, de economia sei que não podemos gastar mais do que temos, mas tudo isto não faz sentido, nada faz sentido. Uma União que se supôs tornarmos mais fortes só nos enfraqueceu. A liderança passa por todas as mãos e ninguém se responsabiliza por nada. Por cada porta fechada , cada portão e cada pessoa no desemprego há um responsável.
Olhando para a esta foto, me pergunto se, por um acaso, se esse retrato pudesse ver e pensar.... o que diria?? O que pensaria ele ao ver o abandono clássico de todo filme pós Apocalipse, da ausência de sons e movimento, da falta que lhe fará ver os seus descendentes a nadar de um lado por outro nas instalações que começaram a nascer tão longe no tempo... e morreram sem glória e esquecidas nos dias de hoje...
Eu sei que o retrato na parede não pensa, não vê.... mas estas fotos tiradas numa das muitas fábricas fechadas e abandonadas.. é o retrato de muitas outras espalhadas pelos país. E este é um retrato do país que temos hoje... o de abandono.
Apareçam
Rakel.
Fotos: José Freitas
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