Combater o Fogo Com Fogo


Se há algo que me mete medo, mas medo real, é quando o povo toma nas mãos a justiça e faz de si mesmo Juiz, Júri e Carrasco. Raros são os movimentos populares que não se faça apenas por oportunismo e uma necessidade de extravasar emoções particulares em situações pontuais.
A maior parte dos protestos pacíficos acabam em pancadaria justamente porque pequenos grupos misturam-se entre os que pretendem fazer uma proclamação de atitude sem violência. No meio de tanto povo... quem sabe ao certo quem começa o quebra-quebra?

Ontem a noite, depois de ter voltado das aulas e acompanhada de uma tigelada de Tomar, abri o LivrodaTromba e fui dar uma olhada no que se passava por lá. A tigelada ficou em cima da mesinha que me serve de secretária e fiquei nauseada não só com a foto, mas muito mais pelo modo que aconteceu.
A foto apresentava um homem espancado e castrado, o pénis metido na boca do cadáver e abaixo a descrição explicando que, o morto, era um violador de duas meninas de 5 e 6 anos de idade. Os vizinhos sabendo de tal acto, recorreram a justiça popular e eis que corre pela internet essa foto em modos de troféu e ao mesmo tempo um deleite para comentários de aceitação...

...e isso manifestamente me dá um enorme medo.

Há umas semanas, foi premiada uma reportagem do canal SIC, onde mostraram-se alguns erros judiciais em que os acusados foram presos injustamente, um deles, um alegado violador, que afinal estava inocente. A menina em questão apenas fez a acusação baseada talvez numa necessidade de atenção ou alguma vingancinha pueril e estúpida, suficiente talvez até para provocar um tipo de movimento de justiça popular como esse.
Da mesma forma, no ano passado, uma aldeia lá na América do Sul, o povo resolveu pegar em um trio de delinquentes (roubo) marcaram hora e lugar, se não me engano foi no campo de futebol lá do burgo, espancaram e lançaram fogo aos meliantes. A pacata dona de casa, o senhor barbeiro e o dono da mercearia estiveram lá no meio aplaudindo e ajudando na festa. A polícia entretanto apareceu e colocou fim ao circo popular.

Quantas pessoas, pela simples parecença física ou estar no momento errado e na hora errada, vêem-se metidas em barulhos e trabalhos que nunca pediram ou mereceram? Muitas vezes coloco a hipótese, porque ninguém está livre disso, de um dia cair uma acusação em cima de mim, dum filho ou de alguém que conheço. E aí...vamos nos submeter ao julgamento da populaça, vamos colocar de lado não só a jurisprudência assim como a presunção de inocência até prova em contrário??? Mete-me medo a forma instantânea que cada qual mostra as garras, destila ódio e pode matar com a mesma sensação de justiça que não lhe pertence. Não é uma questão de estar do lado de violadores, é a questão de não acreditar que uma população movida pelo ódio seja justa, que faça o correcto.

Até bem pouco tempo, era aceite de forma natural que um homem matasse a mulher por "motivos de honra", mesmo que tudo passasse de uma desconfiança e de uma presunção. Se pagamos para que existam tribunais, advogados, polícia de investigação e todo esse conjunto que funciona por normas, leis e regras, se no nosso país não existe sentença de morte, quem então se sente no direito de arrogar o poder de matar outra pessoa? Matar outra pessoa é a forma mais radical de alguém tornar-se justamente naquilo que mais abomina, e embora seja apoiante da auto-defesa, não seria menos perturbador para mim do que acabar com a vida de outra pessoa.

Como noutros tempo, um tipo com bigodinho ridículo e chamado Adolfo fez com uma nação tomasse ódio por uma determinada população, que sem outra explicação de uma "raça pura" contribuiu em muito para a 2º Grande Guerra, campos de concentração e outras maravilhas tomadas pela visão deturpada de um mundo melhor e justo.... dá-me medo.
Sem dúvida, o único que conseguiu fazer com que um povo se unisse, que marchasse a pedir justiça, sem armas, sem gritos e sem ofensas, foi aquele tipo enrolado num lençol, careca e de óculos redondos, o Gandhi. Dizer que foi uma revolução limpa de tiros seria mentira, o exército pró  Coroa Britânica atirava contra os manifestantes silenciosos e imparáveis e mataram alguns... até que se sentiram como que derrubados perante tanta  firmeza e coragem.

Ter lido os comentários sobre a foto, onde diziam que era pouco, bem feito e para quem achasse que era assim que deviam ser tratados todos os violadores...partilhar a foto, para mim é chocante. Para aqueles que dizem, que se fosse com um filho nosso faríamos isso ou bem pior (há pior que matar alguém?) responderia o mesmo que aquele homem, que nasceu no Oriente Médio, filho de um carpinteiro e de uma sempre virgem dizia: "perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido". Foi esse tipo pregado numa cruz, que ao falar com o bandido ao lado dele, deu-lhe perdão diante do arrependimento do mesmo.
Embora nos custe muito tamanho acto de justiça e bondade, se não temos essa capacidade elevada de benevolência, então deixemos que as autoridades tomem conta do caso e sigam os trâmites legais. E se bem se lembram num outro assunto que aqui coloquei contra a violência, se for o caso, recorram à outras formas de chamar a razão os governantes e autoridades que fazem as leis. Vocês votaram neles e pagam-lhes o salário. Exijam assim aquilo que seja necessário.

Espero de todo o coração que quem agora me lê, nunca se veja em trabalhos de tentar provar a sua real inocencia, nem que seja preso por uma confusão de papéis, nomes ou apenas uma vendetta de alguém mal humorado. É que pode acabar no LivrodaTromba, sendo gáudio de uma data de gente que não tem por onde extravasar o que sente...

Mas lembrem-se, combater fogo com fogo só faz um incêndio maior...

Pareçam

Rakel

PS ..e a sordidez do ser humano é tamanha, que aposto que todos aqueles que aqui aparecem neste momento, pensando que tenho aqui cravada a foto do dito castrado, se digam católicos praticantes...a lista de palavra chave neste momento no blog é : o violador de crianças capado. Lamentável...

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