Conta-se que muito antes da primeira folha brotar, antes até mesmo da primeira gota de água surgir, no tempo que a forma e a energia travavam de suas razões para existir, eis que uma força superior agarrou no Caos e decidiu abrir a Ordem no Universo. De onde surgiu essa Força ao mesmo tempo criadora e destruidora, ninguém sabe, ninguém viu, mas aquilo que sempre existiu não carece de explicação. Assim contam as calendas.
Desse caos impetuoso e das mãos poderosas dessa força Original, explodiu em mil bocados mais energia, envoltas em formas, cores e texturas infinitamente diferentes, mas feita da mesma base. Em cada quadrante de um começo promissor de vida emprestada, com tempo contado, deram-lhe almas imortais. Para que cada vaso que carregasse essa alma experimentasse todos os estágios e formas de viver. E de cada vida que surgisse, nasceria ao mesmo tempo a promessa de uma tentativa de alcançar a perfeição. Mas esta força superior, a que colocou debaixo da sua mão o pó dos astros e fez deles as estrelas luzidias e os pontos de onde surgiriam vida, achou melhor arranjar guardiões que guiassem as novas vidas.
De um lado chamou a energia que regeria uma das fases da vida, deu-lhe calor, deu-lhe forma, deu-lhe um tempo. De armadura dourada e refulgente, de calor abrasador, eis que o pólo masculino surge nos céus sob a forma do Sol. Impetuoso e lutador, por vezes impiedoso e brutal, noutras indolente e prazenteiro, necessecitaria de que, quem o acompanhasse, fosse menos ofuscante e avassalador. Feita de alvos véus, de pálida quietude, surge a Lua, a Dama de Prata.
Para cada um foram atribuídos os dons e os deveres, sendo o Sol o senhor do Dia, do Fogo e da Semente, o pai que vela e defende seus filhos, a Lua se tornou a senhora da Noite, da água e do vento, doce mãe que embala no colo a vida em formação. Mas algo escapou da sabedoria infinita da Energia Criadora, não pode supor que tanto o Sol como a Lua se enamorassem um do outro, de tal forma irremediável, que se viram cegos e surdos à tudo que lhes era dito. Não tiveram olhos e nem tempo para mais nada, a não ser viver e respirar um pelo outro. Deixaram em convulsões o recém mundo criado, esqueceram de dar-lhe luz para que frutificasse e escuridão para que adormecesse e descansasse, e o mundo viu-se rodeado de uma penumbra permanente que fazia que toda a vida não vingasse.
Quando a Energia Primeira, aquela que fez com que o caos acalmasse na sua palma, se deu conta disso... enfureceu-se com os seus pupilos, defraudaram dos seus propósitos e das suas obrigações, cegos pelo egoísmo de viverem apenas um para o outro. E a promessa de vida de tantas almas que feneciam pela falta de equilíbrio? Onde estavam as entidades quando deveriam velar pelos seus filhos? Envoltos em nuvens e estrelas, entre beijos e abraços e doces sussurros de promessas. A separação seria irrevogável e total, enviados para pontos tão distantes, que nem mesmo a luz de nenhum deles seria visível. Atónitos os amantes ainda tentaram apelar pelo perdão do Supremo Criador, mas este irredutível na decisão foi tomada. Mas se viu a Lua sem o toque caloroso do amante, a sua própria luz apagou-se. Os olhos fecharam-se e a pele perdeu o cintilante brilho de prata e tomou a palidez mortal dos moribundos.
As estrelas desesperadas, clamaram por socorro, choraram em cascatas de luz pelo Universo chamando pelo Supremo Criador... a sua pupila morria a cada segundo que passava. Da outra ponta do Universo, o Sol explodia em angústias, ouvia ao longe o clamor das estrelas que imploravam pela vida da Lua. Tingiu-se de vermelho e vinganças, armou-se em explosões, pois lutaria até ao fim por ela.
O Supremo ao ver até que ponto as coisas chegaram, ao ver que o equilíbrio que tanto pretendia escapava do seu controle, decidiu reflectir. Aceitou o facto de que maior do que a sua vontade, maior que o poder criador e de todas as coisas... há a centelha que brilha no olhar do outro, que os une e agarra. Que por mais que molde nas mãos o pó do Universo, por mais que faça nascer dos seus dedos Galáxias e Universos, o invisível, o que há por detrás de pele, carne e ossos, de poeira e pedra, além da água e do fogo.... há o um poder que dá ou tira a vida.
Reflectido o assunto, o Supremo decidiu então que, o Sol e a Lua, continuariam perto um do outro, mas proibidos de se tocarem. Quando um chegasse, o outro partiria, poderiam vislumbrar o brilho um do outro por escassos minutos entre o Ocaso e a Aurora. E de longe em longe, por algum tempo, era permitido à Lua que fosse ver mais de perto o seu amante distante, fizeram dessa data tema de sortilégios e prenuncios, pois desse encontro ressurgia a mesma penumbra primordial, sinal dos amantes, a que se deu o nome de Eclipse.
E ninguém sabe, ninguém viu ou soube ao certo quando isso começou. Só se sabe que cada qual conta a sua maneira, cada qual olha para o céu e conta a sua versão...
...de como nem o mais poderoso dos Seres Supremos foi capaz de impedir os amores do Sol e da Lua. Porque há forças incontroláveis e inimagináveis que vivem em cada centelha de luz, em cada vida tocada pela força criadora, apadrinhada pelos astros celestes...
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Conto de : Rakel
Fotos: José Freitas
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