Há qualquer coisa de revelador, de transcendental ao ler um livro, daqueles clics que fazem tanto sentido cá dentro, que acabamos por nos perguntar se tal assunto foi feito para nós.
Não há grande mistério nas coisas da vida, nem nos assuntos pessoais.Um pouco por todo lado acontecem as mesmas coisas, sem que o estrato social ou cultura interfira muito. É caso para dizer: é um mal geral.
Particularmente, admito, há escritores fantásticos, que sabem a maneira correcta de colocar em letras toda esta confusão cerebral e todas estas dúvidas existenciais. Da mesma forma que a música cumpre o seu papel de uma forma ainda mais abrangente, o som é algo de primordial que carregamos durante a vida toda, desde o bater compassado do coração da nossa mãe, ouvido no útero, até ao toque de finados. Há músicas que nem precisam de letra ou alguém que cante, basta só por si e não fica desdenhada por isso.
Portanto não é de espantar, que cada palavra ou frase feita que cabe na medida certa dos momentos em questão sejam usados e partilhados como uma muleta. É complicado, na maior parte das vezes, colocar por palavras nossas de forma acertada e ajustada aquilo que faz sentido na cabeça, mas os dedos não conseguem escrevinhar. Daí nascem as frases feitas, que servem de bordão. Quem anda pelo LivrodaTromba, fatalmente há de encontrar em cada mural pelo menos um par de fotos com vários dizeres e frases feitas, coladas nos murais que depois se comenta ou se diz que gosta. Longe de mim querer criticar a forma como cada qual gerência o seu mural ou até a forma quase que em avalanche, colocam um após outros os dizeres ou frases feitas.
Outro dia, ao ver um capítulo da série na RT2 de Clínica Privada, uma das médicas (não sei o nome, raramente vejo) tinha sido violada. Quando ela, após todo o processo voltou a trabalhar, estranhamente voltava com uma conversa estranha, tipo, se alguém comentava que o tempo estava a aquecer, lá vinha ela com uma frase feita. Qualquer conversa com ela acabava sempre com as perguntas normais de alguém com as respostas dela feita de frases ou adágios populares (que cá entre nós, deve ter dado um trabalhão ao argumentista bolar aquilo tudo) que começou a intrigar a todos... menos ao psiquiatra e a psicóloga da clínica. Desde esse dia, e já lá vão umas semanas, andei a pesquisar sobre isso, sobre a forma como somos capazes de usar ferramentas inócuas para adormecer aquilo que não queremos dar de caras.
Esse fantástico T-Zero que chamamos de cérebro, tem inúmeras e engenhosas formas de se proteger, uma delas é relevando para último plano, guardar num sítio qualquer, as coisas que não conseguimos bem organizar ou gerênciar. Nesse caso, a ferramenta mais fácil de usar são frases conhecidas e aceites por todos. Pra já, porque não é da pessoa em si, é de conhecimento geral, e talvez por isso, ganhe um cunho de autenticidade. Ninguém vai colocar em causa uma frase feita e bastante popular, ela não pertence à ninguém e portanto nos excluímos da responsabilidade. Na maior parte dos casos de vítimas de agressões violentas, estas acabam por se questionar, se elas não foram não só as causadoras como que também merecedoras do castigo imposto por alguém. Isto, num contexto puramente de caráter psicológico pós-traumáticos.
Mas o que raio isto tudo tem a haver com o LivrodaTromba ? Tudo ou nada, mas de uns tempos para cá, tem sido quase que como uma infestação de figurinhas cheias de florzinhas, de casais abraçadinhos e frases feitas com significados que vão desde a dor de corno aguda até a obliteração da realidade e passando por um estado de graça enjoativo. Ou sou eu que tenho a genética errada, já que não consigo achar "fofa" a Hello Kitty, ou anda praí uma crise de preguiça/desarranjo emocional enorme. Raramente vê-se alguém que faz um pensamento próprio, uma opinião sentida sim, mas totalmente pessoal. Hoje, até a expressão dos sentimos está estandardizada, impessoal e industrializada. Massificou-se a opinião, mas pior ainda , os sentimentos. Toda pessoa com dor de corno se socorre do mesmo aplicativo e posta a mesma mensagem.
Em que parte da vida a pessoa perdeu até a capacidade de dizer, de colocar cá pra fora tudo aquilo que lhe amarfanha a alma e faz da sua vida uma colagem dos pensamentos dos outros??
É que já nem se socorrem da música, isso já mandaram às urtigas. O giro é encher os murais com frases e colagens de opiniões dos outros, que nem estão na mesma situação. E cá vem a minha pergunta :
Isto é pura preguiça intelectual ou apenas incapacidade de conseguir por si mesmo lidar com os desarranjos emocionais?? Será uma forma de bloquear tudo, usando os inócuos dizeres populares e frases feitas dos outros... que não comprometem ninguém???
Possivelmente ainda sairá daqui outra teoria, cá da nossa inspiração. Até lá...
Apareçam
Rakel
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