Sou uma coleccionadora.
Colecto e guardo em pequenos frascos...as lembranças de todos os tipos, mas para ser honesta, guardo na maior parte deles bons momentos.
São estes frasquinhos originais que desarrolho de vez em quando, ou apenas salta fora a rolha para fazer par com uma situação qualquer.
Há dias que uma pequena situação, um momento se encaixam naquilo que chamamos de perfeito. O facto de estarmos bem de saúde, num dia ensolarado, pisar na relva ou saboreando um gelado na companhia silenciosa de uma pessoa amiga.
É o conforto de um sofá aconchegante, um bom livro, um pacote de bolachas e um chá na temperatura certa. O duche relaxante, lento e apreciado, brincar com a espuma e encher a boca de água, sem prestar atenção ao tempo.
Tiro a rolha dos momentos com pessoas, da minha avó a me levar o lanche numa bandeja, porque fiquei perdida no livro lá no banco do jardim. Ela sabendo que os livros me absorvem, que me esqueço das horas e de comer... lá levava o copo com groselha, a sandes de fiambre com manteiga no pão caseiro alentejano. Do meu avô , que por pura cumplicidade e uma pontinha de rebeldia, saía comigo para que tanto eu como ele pudéssemos fumar um cigarrinho, longe das broncas e zangas da minha avó...
Desarrolho outro frasco.. e cheira a bebés... a minha irmã, meu primeiro test-drive desse mundo fascinante de recém nascidos. As fraldas e os cheiros de pó de talco, a roupinha minúscula e macia. O meu irmão mais novo a seguir e depois os meus. O primeiro abrir de olhos e aquele olho no olho memórável, contar os dedos das mão e dos pés. O cabelinho ou a falta dele...
Os amigos e afectos... fragrâncias tão distintas umas das outras, a risada da piada cúmplice, as situações absurdamente engraçadas que contando não tem assim tanta graça.. só para quem a viveu. As zangas e as partidas, as idas e vindas de quem faz o seu caminho e que por vezes volta a cruzar com o nosso.
Acompanham em cada abertura de frasco os sons, os cheiros e os gostos, as sensações e muitas vezes os rubores. O abraço que se dá à quem precisa de consolo, o que se recebe por carinho e saudade... a palavra certa no momento oportuno que faz toda a diferença. A música que faz parte de cada um dos frascos, que por necessidade minha adiciono.
Outro dia abri um frasco que já fazia tempo que não abria...tem a haver com um hobbie um pouco original meu e da Stela. Em miúdas (eu nem tanto assim) cultivamos o gosto de ver casas para vender e alugar, uma delas, fomos ver só por causa do preço pedido: exorbitante. A casa por fora nada dizia, mas a venda era de tudo, casa e recheio. Dentro jaziam as lembranças de alguém que andou por toda África e coleccionando lembranças... também passou pela Índia, e desde tapetes à móveis de ébano com incrustações de madrepérola... um verdadeiro espólio de lembranças e culturas. Nunca me tinha sentado num banquinho feito de pata de elefante... e só me dei conta disso quando olhei para baixo e vi as unhas do animal... :(
Ainda hoje temos esse passatempo, um bocado deixado de lado por falta de tempo de ambas as partes. Mas são sempre interessantes esses safaris em casas vazias e com tantas coisas para contar ou ainda a espera de contar.
Há dias que desato a rir apenas por isso... desarrolho um frasquinho e me vem logo uma lembrança. E é isso mesmo que faço, nos dias que chamam por mim milhentas vezes, que exigem a minha presença em 5 lugares distintos ao mesmo tempo e não consigo, quando o nível de aporrinhação chega ao limite máximo... desarrolho um frasquinho e as lembranças se espalham e tomam lugar a chatice militante.
Há quem pense que isto tudo é maluquice, alienação ou apenas que sou sonhadora. Assumo-me como coleccionadora de momentos, de situações. E à esses momentos que vivo enquanto aspiro o perfume que sai deles, que me dá o mesmo bem estar que me deu outrora, chamo de oásis mentais.
Espero que tenha sido capaz de te explicar bem o que não entendeste.
Apareçam
Rakel
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