Pausas

Se uma pessoa tem livros, se investe nisso, é normal que se dedique a ler um bocadinho. Gostar de ter livros apenas porque são bonitos e combinam com a estante ou dá um certo ar "intelectual" rói-me por dentro. Por isso, devido aos últimos rombos na carteira, culpa das feiras de livros, andei fora das lides bloguistas e apostei na leitura. Dei o tempo por bem empregue, embora tenha acompanhado a leitura com gelados (nada abonatório é verdade, mas soube mesmo bem) e eis que me deparo com as sugestões que os vários escritores apresentaram-me durante a leitura. 

Definindo desde já as devidas fronteiras cronológicas, a verdade é que nenhum deles alcança alguma unanimidade sobre algo. Em cada um, o ponto de vista, as vivências, a época moldam as diferentes visões, versões, imagens e verdades. É disso que as pessoas são feitas: de diferenças. Ler essas diferenças e alguns pontos em comum é que faz da leitura um exercício interessante do pensamento. Ler Baudelaire não é o mesmo que ler Allan Poe, Kafka ou Morris West. 

Nabukov explica que o amor não tem idade, que sedução não é uma assunto de gente grande, embora Baudelaire afirme que é uma constante perseguição de algo que nunca se alcança. Allan Poe detona tudo completamente na tragédia pura simples de quem entra no jogo sempre a perder.

Se for pra comparar os tempos actuais, então Kafka e Voltaire ganham pontos: será que somos moscas que sonharam um dia ser gente? Ou a visão de que no pior e maior pessimismo, na altura que tudo bate no fundo do poço, será melhor cultivar um optimismo ingénuo que acredita no sonho maior e persegui-lo? Pulei para Haruki Murakami, e nas causas inevitáveis, marés previsíveis mas que nos desafia a entrar nelas, embora o fim  não seja nem de perto, nem de longe, a melhor coisa que nos aconteceu.

Morris West sem dúvida um romancista incomodativo, não fosse ele o escritor das Sandálias do Pescador, mexendo em tabus de um inamovível e poderoso estado /religião, coloca em causa o que esteve sempre pré estabelecido. A trilogia da qual este romance faz parte é verdadeiramente interessante. Só encontrei o Lázaro. 

Os tempos mudam, os sonhos e desejos também? 

Não sei se o facto de sonhar estraga totalmente a realidade, mas acredito que coloque as coisas numa fasquia mais alta e nos empurre pra frente. Sem optimismo  inocente, sem a busca do impossível, viver sem sonhos, por mais insignificantes que sejam, é triste. Viver na ilusão são outros quinhentos,mas cada um descreve a sua realidade, a sua ilusão e os seus sonhos.

Já nem me interessa o facto que as diferentes versões da vida não façam par com as minhas. Gosto de saber o que os outros pensam, como se definem, como se colocam no mundo. Por causa de uma conversa corriqueira, voltei a reler o Admirável Mundo Novo, o planejado e milimetricamente encorajado mundo hedonista e esterelizado mundo moderno. Sonhos? A de uma rosa numa redoma, de um planetinha tão pequeno, que até dava pra passar aspirador na boa... mas o lar de um Princepezinho. Sonho, ficção, a realidade na visão de quem sonha as coisas, de quem viveu amarguras, combateu paixões, enterrou-se nelas, desprezou o mundo que o ignorava...tudo dentro de folhas impressas e depois encadernadas.

Questionar e colocar de novo na mesa os assuntos, revisitar velhos dilemas, colocar, nem que seja por uns tempos, em causa tudo o que está estabelecido, é delicioso de se ler. Pensar naquilo que já foi pensado, mas colocar em causa o resultado final. Dar corpo e cor como quem pinta um quadro. Não se encontra duas pessoas que sentem um livro da mesma forma, daí se explica o facto de que, quem escreve não as descreve da mesma forma.

Ler, dá-me a possibilidade de ver o mundo pelos olhos e coração de outras pessoas, de descobrir que afinal, procuramos nas curvas apertadas da vida pelas mesmas coisas. Se quem me lê agora diz que tem pena de não ter tempo para ler... bem, um par de páginas antes de dormir?? Vá lá... uma página??  :)

Segunda -Feira, começo de semana, me perdi a olhar para um quadro na sala de aula de pintura, eu vi duas coisas num determinado quadro: aquilo que o autor queria pintar e aquilo que ele sentia. E fiquei ali parada, olhando para a tela e nem me dei conta da autora estar na sala. Ela me perguntou o que eu via no quadro... e eu descrevi, ela sorriu satisfeita por ter conseguido colocar na tela a sua visão abstracta. Depois me perguntou o que me "passava" a obra e disse-lhe. O sorriso sumiu, o desconforto foi gritante apesar dela estar caladita como um rato. Me perguntou se tinha "escola" na arte, e que raios fazia eu no posto em que estava a trabalhar.

Só consegui rir e dizer que a minha única escola... é a arte de saber ler o que as pessoas "escrevem" e de que de vez em quando punha-me a escrever para ver até que ponto conseguiam saber me ler...

...e quanto mais leio as pessoas, mais vontade me dá de deixar-me levar pelas marés das suas vontades e palavras...

Apareçam

Rakel