Meninices


Estes dias quentes, acompanhados de trovoadas e chuva pesada...fazem-me lembrar os tempos de miúda. É que eu tinha uma predilecção por ficar debaixo de uma aguaceiro torrencial nos dias de Verão...a roupa molhada e colada no corpo, os chinelos que voavam pra longe e os pés livres a chapinhar nas poças de água morna...
Depois, tão certo como depois da chuva vem a bonança, chegava à porta de casa e via uma muito irada mãe com um balde onde depositava a roupa encharcada e ouvia o sermão com missa cantada... um disparate uma menina fazer estas figuras né?


Depois me lembrei dos bolsos cheios de tranqueiras: berlindes, cromos, um pedaço de barbante para brincar de cama-de-gato, ou uma caixinha de fósforo onde guardava um vagalume... Ou então,quando fazia verdadeiras ginástica de imaginação e de expressão corporal para disfarçar um joelho todo ralado, uma barra de saia desfeita numa brincadeira (a minha mãe era masoquista ou sádica ao ponto de obrigar a andar de vestido, habito que caiu em desuso após ter explicado que saias não dava jeito pra subir árvores), dedos colados de um gelado enorme comido a pressa... bons tempos.


Aos 15 anos desfiz os calcanhares de umas AllStar a andar de carrinho de rolamentos, ladeira abaixo e usando a borracha para travar o desgoverno da viatura. Nem tenho como explicar o grau de satisfação da minha querida mãe, só igualado ao dia em que, para pular um muro onde o meu papagaio de papel tinha caído...rasguei a dobra interna do joelho. Como sangrava demais, fui ao barraco que ficava num descampado, e lá a D. Preta (era assim que a agente conhecia) me colocou uma folha de bananeira para estancar a hemorragia... aí, a minha mãezinha se passou de todo (ela tinha assim umas cenas tipo Michael Jackson e os germes...) e fiquei uns dias de castigo, só pra variar.



Posso falar do alto do banquinho: eu fui criança. Não, não tinha pressa em crescer, brinquei o que pude, vivi, acho eu, a última geração da inocência infantil até aos 13...14 anos. Aos 16 ainda subia na goiabeira da minha amiga, e voltava pra casa feliz da vida, com os cotovelos esfolados, mas com um saco de fruta fresca.

 Hoje, a caminho para o trabalho e fazendo o passo mais lento para aproveitar o cigarrinho da manhã, ouvia um pai a dar recomendações ao filho que ia para a escola: não ficar fora se chover, não andar a correr, ter cuidado ao brincar, não se esquecer que depois das aulas tinha o Instituto de Línguas, o Judo e a explicação... O puto com mais ou menos 8 anos ia fazendo que sim com a cabeça, com uma mochila às costas maior do que ele, e meio pendente, avisando que estava muito pesada... Tive pena do menino.
Nisso, uma senhora de cabelos brancos curtos, óculos fundo de garrafa, uma mala colorida e enorme, parou diante deste par, e falou com o pai: "Tu és o "fulano de tal" não és?" O Homem fez que sim e meio de surpresa veio-lhe à lembrança quem aquela senhora era...  a professora da primária dele...  :)

Ela olhou para o miúdo e perguntou: "Como te chamas?"
Eu não consegui ouvir nada, tão baixa e timidamente o menino respondeu... Ela então abre o maior sorriso e diz: "Sabes.. o teu pai era impossível de aturar!!! Portava-se sempre mal e nunca parava de falar!"

Não acompanhei o resto, porque o cigarro se acabou e não ia ficar ali especada a ouvir conversa alheia, mas me deu vontade de rir... grande mulher que fez lembrar ao pai que ele foi criança também!
É que a força de fazer o melhor pelos filhos, muitos pais esquecem o básico: deixa-los ser as crianças que são. Carregam com actividades e outros "benefícios" para que os pequenos se ocupem e sejam melhores, deixam passar de lado as boas lembranças da meninice. Mas os miúdos crescem rápido demais, a infância passa num estalar de dedos, e os miúdos tem pressa de serem grandes.
Quando alguém me diz que depois dos 12 anos já tomava conta de si mesmo (muitas das vezes sem outra opção) lamento profundamente. É bom ser criança, de moer a cabeça dos pais, de trazer pra casa os recadinhos da professora, ou da vizinha onde a bola foi parar...

Eu tenho as memórias dos Domingos na rua a fazer com os amigos do bairro linha cortante, ou então no chão, numa posição nada elegante a jogar futebol de botão. Ou me estafar de todo a rodar o bairro de bicicleta ou entrar num combate de papagaios de papel...
Estas crianças vão se lembrar apenas dos desenhos animados da T.V, do nome do explicador ou do sensei do Judo. 

Quer saber? Não troco a minha infância (mesmo com os ataques de asma, os ralhetes e os castigos) por nada deste mundo...

Apareçam

Rakel

Comentários

  1. Amiga entendo perfeitamente o k dizes.
    Até eu k era super protegida por problemas de saúde k tinha brinquei e aproveitei mais do que estes miudos de agora, têm uma agenda mais preenchida k a de alguns adultos.
    Não adquiri tantas competências em criança, mas também não trocava com agora.

    Há tanto tempo k eu não ouvia falar das histórias de infancia.

    Tenho de continuar a dizer o mesmo: coitada da tua mãe.

    Jinho

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  2. Coitada da minha mãe???? Coitada de mim que não me encaixava no modelo que ela sonhou pra mim... isso sim! Aliás uma fatalidade que me acompanha pela vida: não sou o que acham que devo ser...dava um post.

    Já ouvi da boca de uma pessoa completamente perdida nos próprios meandros em que se enredou, que eu não sei quem sou ou o que quero. Sabes que o ataque é a melhor defesa na falta de bons argumentos... não tive outra resposta senão rir-me disso.

    Por outro lado... até posso te contar uma de hoje: sabes aqueles saquitos com umas pulseiras coloridas com formas de animais e objectos?? Bom, tenho duas saquetas dessas e fico a trocar com eles enquanto comem. Porque distraídos comem melhor, do que na pressão pura e simples. Uma miúdita, que queria uma das minhas pulseiras com forma de Barby, chamou-me pra segredar no meu ouvido: "Tu és Maria- Rapaz?"
    Perguntei porque isso... ela então disse que era porque eu andava com piões nos bolsos, baralhos de UNO, pulseiras dos putos e sabia de cor os capítulos do Naruto :)

    Disse-lhe que, como tenho filhos, nunca me esqueci do que é ser criança. Que nas horas de brincar... brinco, nas horas de regras, bom, ela sabe que eu sou rígida com as regras...

    Portanto, me dou bem com toda gente.. que saiba me aceitar do jeito que sou.. e não me tente fazer encaixar num determinado molde. Isso eu deixo pros demais.

    e Vê lá tu...tenho os miúdos do ATL a ouvir com atenção, coisas sobre história e geografia...mas de uma maneira divertida. Tanto que, muitos querem ficar na sala onde fica a Rakel... melhor elogio do que este?? Não conheço...

    Bjos

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  3. Assim é k é amiga!

    E isso não faz tão bem ao ego?

    Jinho

    P.S. E se na escola se adoptasse mais essa forma de explicação não haveria mais sucesso escolar? Digo eu, sei lá!!!

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  4. ...seria sim, bem melhor. Mas para isso, muitas coisa teriam que mudar: pra já, não haveria de ser professor apenas aqueles que não conseguem colocação como advogados, biólogos marinhos,arquitectos e afins... teria que ser aptidão. Depois, teria que deixar ser o modelo: despejar o currículo e passar a ser como dizia o filósofo, inteligentíssimo mas esquecido, Prof. Agostinho da Silva. As pessoas deveriam aprender de forma dinâmica, aquilo que tem curiosidade e inclinação. Mas isso, é uma utopia tão grande como aquela minha outra...o Anarquismo :)

    Bjos miúda... e te digo, aquela feira de livros usados tem dado cabo da minha cabeça...e carteira!!

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  5. Miuda!
    Aptidão deveria ser exigido para tudo, ensino, todas as k disseste antes, para estar atrás de um balcão, para ser electricista, andar nas obras, etc. Porque todos temos diferentes tipos de aptidões e se fossemos aproveitados para o k realmente fazemos bem, em vez de empurrarmos com a barriga para termos dinheiro para a encher, a sociedade, a vida em sociedade e a própria ecónomia seriam muito diferentes.
    Mais outra utopia...

    Por falar em estraga-carteiras...
    Hoje fui a Lisboa, não sei se te recordas, mas eu disse k não ia lá enquanto estivesse a feira do livro (por causa das tentações (tu sabes k eu sou uma menina muito católica), cheguei ao Oriente ... feira do livro (de saldos), fui á Baixa, uma livraria onde eu já tinha entrado uma vez porque dizia promoções... agora, só trabalha com as ditas, duas salas cheias de livros com preços de 1 a 10€.
    Já viste a minha sina? E as minhas tendencias em ir para a Baixa a aumentarem vertiginosamente. Hoje veio de lá um que aqui no hiper do concelho onde trabalho (eu não faço publicidade, mas tu percebeste) está (e está mesmo, ainda esta semana estive com ele na mão)a 12€ e eu comprei a 5.

    Sabes k mais ... tou lixada!!!! A minha carteira claro.

    Jinho e bfds

    P.S. Temos de nos encontrar mais vezes, ou pelo menos por o paleio em dia.

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  6. Aiiii...malvados saldos dos livros...
    Há quem se passe com saldos de trapos e sapatos, ok, tenho a minha pancadita pelas botas, mas livros??? Chiça, tentação só rivalizada pelos CDs em promoção...outra desgraça.
    Meu problema maior de base: falta de dinheiro e de... estantes.
    Minha amiga... isso é uma conspiração contra nós, e já vejo a minha colega que conheceste, na mesma questão...
    Quanto ao encontro para paleio... bom, depende mais de ti que de mim, afinal, tu és a gaja ocupadérrima né? Mas como temos a mesma tarifa...é derreter as orelhas em chamadas...
    Bom Fim de Semana pra ti miúda!

    Bjos

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