Conversas da Cozinha


Encostado no batente da porta da cozinha, braços cruzados no peito em jeito de inconformismo, lá estava o P*, amigo dos meus filhos, nos seus 18 anos, bastante aborrecido. Eu, lavando a louça, ia escutando o rapaz a desfiar das suas desilusões amorosas, a vontade de ter algo sério com uma rapariga e esta complicação toda que é a vida...

Posso afiançar que a minha cozinha é mais ou menos como um consultório de terapeuta, na falta do divã de sala de psiquiatra, há a mesa, as cadeiras, o batente da porta, quando há algum tempo para tal, um bolo, mas certamente um Icetea ou limonada...Algumas vezes um lanche informal, uma jantar feito num zip zap..

"Mas por que raio as pessoas complicam a vida e fazem este jogos todos??" me perguntou ele, como se eu soubesse a resposta mágica. E não sei, de verdade, faço imensas conjecturas, teorias, mas a verdade, verdadinha é que mesmo tendo ultrapassado a barreira dos 40 ainda não percebo porque. Fico tão confusa como o P, mas já passei, felizmente, da fase de procurar a resposta justa para a questão. Aliás, deixei de todo de questionar.

"Já estou farto de estar sozinho...será que estou a pedir muito?"

Enquanto enxaguava os talheres disse-lhe que não, não era pedir demais. Há imensos detalhes que passam pelo meio, há confusões que se fazem entre atracção física e sentimentos. Há ideais que se sobrepõe à realidade, há uma série de factores que nos escapam por completo.
Poderia dizer aquilo que eu penso sobre o assunto, mas acho que nos verdes 18 anos dele, é preferível que passe por todas as fases da vida. As suas bofetadas e carinhos, as decepções e conquistas...isso além de fazer crescer faz com que tomemos uma opinião própria. Por muito que lhe explique que ele não pode dizer que "as mulheres são todas a mesma coisa" quando as mulheres em questão, das que ele fala ainda rondam os 16/18, que  para serem mulheres ainda vai uma boa distancia...ele generaliza e não acredita.

Gostava de poder dizer ao P o que eu acho de verdade...

...para mim, encontrar a pessoa que vai ser importante na nossa vida, aquela que será a companheira, nossa alma gémea é mais ou menos como andar no campo.

Num campo aberto, imaginem duas pessoas que caminham por ele. Uma sabendo que no meio daquela verdura toda há potenciais trevos de quatro folhas, anda curvado, quase de nariz no chão, a cata deles. Basta um, só um para ser feliz e ter compensado toda aquela busca, as dores nas costas e as inevitáveis carraças e picadelas de urtigas. Anda por ali, desarvorado, de um lado para outro, soltando exclamações e regojizos quando encontram algo que parece ser... mas olhando melhor é um falso trevo de quatro folhas. começa novamente a busca entre lamurias e exclamações.


Enquanto esse anda de um lado para outro, esperando que a luz do dia não se acabe e que possa ter a sorte de encontrar um, o outro se senta displicentemente no meio da erva. Arranca um dente-de-leão ainda naquela fase de pom-pom branco e sopra as sementes ao vento. Olha para cima e vê as várias formas que as nuvens fazem ao sabor do vento... dos farrapos que se desfazem às fofas almofadas celestes flutuantes. Pega numa erva seca, morde a ponta e olha em redor. Estica os braços para trás, para apenas sentir o calor do sol no rosto e magoa a mão e olha exactamente para o lugar onde a mão pousou antes de se magoar... e vejam só que coisa... mesmo ao lado de uma pedra angulosa, escondida no meio da erva alta...um trevo de quatro folhas.

Moral da história: Toda gente sabe que os trevos de quarto folhas existem, mas poucos tiveram a sorte de encontrar. Mas existir existe, isso é indiscutível. Há quem passe uma vida inteira a procura e nunca acha, e apenas por alguma teimosia, guardam na carteira, seco e espalmado entre fotografias um trevo de três folhas fingindo ser um de quatro.
Há quem nunca tenha andado a procura deles, apenas o acaso fez surgir diante deles um dos de quatro folhas. Acho que é uma questão predestinada a acontecer, não acontece por que queremos, fica nas mãos da sorte, essa senhora volúvel e que escolhe os seus tutelados.

Aqui não há merecedores ou não de encontrar o trevo de quatro folhas, na minha óptica, acho que toda gente merece. Mas não funciona assim e pronto.

Eu poderia dizer isso tudo ao P, ali encostado ao batente da porta, furibundo com a vida e as mulheres, mas acho que ele mesmo vai perceber isso tudo...nem que leve mais uma vintena de anos. Apenas fiz o meu papel de sempre, ouvir. Apontei-lhe um ou outro ponto fraco da sua personalidade, disse-lhe para não medir os outros pela amplitude dele...cada um é como é.
Ao sair de casa junto comigo, ele para voltar à dele e eu para o trabalho, agradeceu-me a paciência com que o ouço, mas que isso tinha feito com que se sentisse melhor. Ri-me dele quando disse que eu deveria cobrar por estas sessões de análise...

...soubesse ele quantas amigas e amigos dizem as mesmas coisas que ele disse, que sentem as mesmas coisas que ele sente...e que eu não conto a minha visão sobre o assunto, aposto que ficaria admirado. Mas só de pensar nisso.. ao fazer as contas assim por baixo, se eu cobrasse mesmo que fosse pouco... ficaria milionária!!! 

Apareçam

Rakel.

P.S:  O P é um rapaz daqueles que, embora muito novo, já tem mais maturidade do que muito marmanjo armado em maduro que anda por aí...

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