Comunicar não é só falar...


A ideia de fazer este post anda há uns tempos a rondar a minha cabeça e esperando, não só o momento oportuno, como o tempo devido para me debruçar sobre ele com a atenção e o cuidado necessário, aproveito uma folguinha para fazê-lo hoje. Desde já aviso que o mesmo não serve para criticar ou colocar em causa as escolhas que cada um faz, é uma opinião, e como tal, basta-se a si mesma. Cada qual tem a sua e na base do respeito, da dignidade e do movimento democrático, apelo à que, quem leia este assunto, pense um bocadinho. Só isso.

O jeito como colocamos as mãos em cima da mesa ou do colo, o perfume, o uso de acessórios, a roupa, a música, a pintura, escultura.... tudo aquilo que foi tocado pela nossa mão deixa um pouco de nós. São veículos da nossa maneira de pensar e agir, de estarmos no mundo, de desafia-lo ou aceita-lo. Diversos sociólogos falaram e estudaram os movimentos culturais que giravam à volta das diversas manifestações de comunicação do pensamento humano. Nem me atrevo a descreve-los aqui todos, senão isto seria um post mais longo do que prevejo que seja. Mas não invalida o facto que, por uma questão de comunicação, escolhemos uma estética própria para defini-la. Chamamos "a nossa marca".

A moda, (há quem já pense no post como um dos "serviço de futilidade pública") a forma como nos vestimos, nos arranjamos, fazem de nós o cartão de visita pelo qual somos avaliados logo de caras. E se esse cartão de visita sai do chamado "normal" ou "convencional", o cidadão em questão está desde logo a saber que compra uma batalha. Essa batalha desde logo, batendo de frente com a estética de todo o resto do mundo, pode se dever a dois factores: a primeira, uma ligação filosófico/cultural com algum tipo de conhecimento, seja através de leitura ou mesmo na convivência com grupos que partilham as mesmas ideias.
A segunda, bastante mais comum, a intenção de ser diferente, chocar ou procurar uma identidade.

Basta ter filhos e ficar em frente da porta de qualquer escola pra ver isso: um par de anos atrás, eram os cabelos em pé, tesos de gel, correntes nas calças e as meninas com a rinsada de fora mesmo que estejam (como andou)  -3º de temperatura. Hoje é ver os rapazes com gorro na cabeça, meias por cima das calças e a calça a meio do rabiosque, num equilíbrio precário que me faz pensar...como correm sem ficar com as calças pelos tornozelos?? Mas uma coisa é certa... nunca antes tinha visto uma colecção tão bonita de boxers...  :)


Acho que tenho a grata vida de conhecer um pouquinho de cada tribo (é por aí que se intitulam, mas também podem chamar comunidade, irmandade...), numa convivência sempre pacífica e dialogante, na base do respeito mútuo e sem fundamentalismos... Porque o mal todo reside aí, no fundamentalismo que sobe no banquinho pra proclamar que não podem ser julgados, mas julgam todos aqueles que não fazem parte da tribo em questão. Todos os que conheço já são adultos, percorreram um longo caminho até acharem que a opção que fizeram era a sua, a certa, a de eleição. 

Lá na década de 70, conheci a geração do Paz e Amor, era eu ainda bem criança, mas me lembro bem das roupas coloridas, da música, do movimento pacifista que pretendia mudar o mundo. Seus ícones foram sobejamente conhecidos na música: Bob Dylan, Joan Baez, Hendrix, sem falar nos que começaram com os movimentos sociais como Luther King e Malcolm X, o movimento Black Power e por aí a fora. Ainda hoje existem os resistentes que acreditam nas bases do Movimento Hippie


Acho que a década de 60 abriu bases para toda uma revolução cultural que deu lugar a que, pudéssemos pensar como queríamos, ser o que queríamos, bastando apenas escolher o nosso caminho. Porque no final dessa época, mesmo com a luta anti-capitalista e natural dos Hippies, o mundo caminhou para uma ferocidade comercial e dinheirista ainda maior. E na insatisfação do desemprego, de falta de oportunidades, do começo das famílias disfuncionais, nasceu mais um movimento cultural e social chamado Punk. 




Não nasci anarquista, nem foi uma escolha por acaso, lógico que na adolescência passei pela fase punk, porque colocava a autoridade em causa. E bater de frente com autoridade (pais, colégio) era o meu prato forte. E como sempre fiz questão de ser mais, do que parecer mais, a estética do movimento punk ficava em segundo plano. O que me apaixona é a ideia, o conteúdo, não a roupinha ou a cabeleira... Mas sim, fui buscar meus jeans umas tantas vezes ao lixo, porque a minha mãe insistia que estavam rasgadas demais, sim ouvi sermões por causa do clip enorme que usei como brinco na orelha...mas sinceramente, fazia isso mais pra afrontar a vontade paternal. Mas as ideias do movimento ficaram.

Os movimentos que surgiram depois dos anos 60 foram  muitos, e só pra citar alguns:

Os Metaleiros, malta fixe, boa onda, pacíficos e que geralmente se dão bem com toda gente. Conheço muitos, trocamos opiniões, músicas e livros. Particularmente ao modo de expressão visual podem ser confundidos por outros grupos, uma vez que, graças as fusões do metal : Havy, Gótico, Doom, Ciber, Sinfónico, Electrónico e mais uma imensidão de tipos, fazem uma mistura indiferenciada...aliás, pequenos detalhes é que fazem a diferença.


O Movimento Gótico....começa de longe, lá pelo século XIII, começou por ser arquitectónico, passou para literário e chega ao nossos dias em plena metamorfose porque se mistura com outros géneros de estilos. Tudo isso permitido mais pela música e estética. Infelizmente, graças à ignorância e ao estilo Hollywood, ganhou contornos que vão do satanismo ao Emo.
E não tem nada uma coisa com a outra, poderá o movimento Emotional ter bebido alguma das águas do Gótico, mas difere bastante na filosofia. O gótico entende a duplicidade da vida, que ela precisa existir para o equilíbrio, e daí abraça tanto a luz como a escuridão, o Bem só se justifica pela existência do Mal.  Mais poderia dizer, mas seria dar tempo de antena à cultura que mais me agrada...  :)


 Movimento Emmo é mais parecido com o Hippie, na medida que procura distribuir afecto e as suas emoções indiscriminadamente. É um novo Peace and Love, só que escolheram parte do visual Punk e Gótico para se estabelecer no meio cultural. Não sei até que ponto este recente meio de cultura ou movimento irá se sustentar, mas tem o seu lugar, o seu valor e a sua parcela de respeito. Mas andam sempre a levar na cabeça de toda gente, meio que na própria defesa da sua crença, esquecendo que todo movimento quando nasce, não agrada toda gente. E mais uma vez, por força de algumas poucas pessoas que por motivos que não me cabem analisar, associam este movimento com auto-mutilação e chorões. 


Quem se lembra do Movimento Grunge, tendo como cabeça de cartaz os Nirvana, Pearl Jam e os Ten? Kurt Cobain chamado de o novo Jim Morrison, destilou nas suas letras o inconformismo, a apatia, a angústia, o sarcasmo e o desejo de liberdade... Novamente aqui a moda meteu o dedo, mesmo que a mensagem do movimento fosse "não olhe como eu sou, mas sim escute o que eu penso e digo" e fundou a moda do ar mal trapilho, descabelado e sem grandes novidades. Ser grunge era ser desapegado à estética, portanto, uma moda anti-moda... engraçado.


Uma das minhas amizades mais recentes é um Rastafarai, um vertente mais suave do Rastafari. O Rastafari é um movimento religioso/filosófico que começou na Jamaica lá pelo começo do século XX. Já fartos da exploração colonial e como maneira de se afirmarem culturalmente, acreditam que o então Imperador da Etiópia era o representante de Jah (uma forma de dizer Jeová) na terra. É o retorno do orgulho nas origens africanas, na volta aos valores básicos de viver, alicerçados na pureza de corpo, no trabalho honesto, na ajuda ao próximo e em dar amor à quem seja. Felizmente esta pessoa me explicou uma data de coisas que de outro modo seria mais complicado de descobrir só lendo. O grande lance dos rastas, é fazer aqueles rolos no cabelo, é que seja a própria pessoa a fazer. É o caminho dele, é sua busca pessoal de aproximação aos ensinamentos básicos, porque como me disse, ele ainda não está a conseguir abdicar da carne, pois todos os rastafaris são vegans. Musicalmente conhecido através de Bob Marley e o Ragge, influenciou o começo dos Police e um então bem jovem Sting. 



O que me agrada nos dias de hoje é que o sentido de tribo está a se esbater. Digo isto pela mistura e escolhas que cada qual faz nos seus caminhos culturais e filosóficos. No momento que se coloca uma linha divisória entre uns e outros abre-se o pretexto de discriminação. Nós, a nossa gente, a nossa irmandade e os outros. É colocar limite no certo e errado de forma muito pessoal e subjectiva. Porque uma pessoa não é só uma coisa e ponto final...andamos a cumular uma montão de vivências e informações tais, que limitar tudo isso chega a ser castrador.
Agrada-me ver o Jonathan Davis, vocalista do grupo de Metal Doom Korn, de Dreadlocks nos cabelos, saia e com os olhos pintados de preto. É a mistura dele, é uma fusão de humanidades, culturas e vivências. É dele, pessoal e sem preconceitos.


Agrada-me ver em todos os movimentos culturais, um movimento maior que cresce: o movimento de fusão. É pra acabar de vez com a segregação, com ideologias separatistas que definem a raça pura, a ideologia certa. Toda ideologia que prega respeito à humanidade e à natureza merece a nossa atenção e respeito. Cor, marca, visual...é irrelevante. Algumas agridem o meu senso estético? Sim, é verdade, assim como eu agrido o senso estético de muita gente, mas é vivência minha se faz favor, não nasceu do agora, mas de mais de 30 anos de andanças por este mundinho azul.

E hoje pode-se ver isto:

Góticos com pseudo-dreadlocks


House Folk


Techno...


Country...ou Folk Urbano


... e tudo aquilo que vocês possam imaginar.

O mundo evolui, devagar é verdade, mas vai mudando, as coisas deixam de ficar compactadas em blocos isolados, para se misturarem com outros. Misturem ideias, aceitem ou rejeitem, é escolha vossa, passem do lado estético mais para o lado de pensamento e usem-no.  Não adianta andar com o modelito Hippie pregando Paz e Amor se depois desancam cheios de raiva aqueles que não aceitam a vossa ideologia. Abrace o seu irmão, mostre-se melhor e com vontade de ensinar.

Pense que, ao soltar logo a mola do discurso que descamba na ofensa, não estará, logo a partida, indo contra a base da ideologia que abraçou? É muito melhor um mundo que troca experiências do que aquele que se separa do resto...

Apareçam

Rakel.

Comentários

  1. Amiga, mais uma vez um excelente post!
    Aprendi muito, pois como sabes, a questão das tribos, irmandades, etc. é um assunto na qual sou completamente ignorante.
    Mas concordo contigo, cada um tem a sua forma de se expressar não é apenas com palavras, nem é preciso fazer parte de nenhum destes grupos.
    Mesmo aqueles que (especialmente ao sentido mais expressivo que é a vista) aparentam ser normais têm a sua forma de comunicar, e mesmo em questões que, à partida não marcariam posição, as pessoas são avaliadas. Como é o caso do uso ou não de marcas (quer seja em roupas, acessórios, tecnologia,etc), que faz com que muita gente seja extremamente bem considerada por as usar e ser logo um primeiro cartão de visita, versus quem não as usa e, por vezes tem muito mais possibilidades de as usar que os outros.
    Não me esqueço daquele senhor que há mais de dez anos pedia na estação de Santa Apolónia, apenas um/dois dias por semana nos comboios de longo curso (que são menos frequentados por quem usa os comboios diariamente, dificultando assim, a possibilidade de ser reconhecido), em que escolhia criteriosamente as pessoas a quem pedia (quem parecia mais crédulo) a quem contava uma história bastante verosímel (mas sempre a mesma, falta de imaginação) e que se apresentava sempre como uma pessoa muito distinta, com roupa de marca, com atitude de quem nunca usou mais nada na vida, e por vezes até com uma gravatinha.
    É óbvio que muitas pessoas caíam na conversa e davão-lhe qualquer coisa. E quando ele tinha o azar de alguém o reconhecer (porque ainda hoje há quem viaje diariamente, também nos comboios de longo curso) e o confrontar, todos os que se apercebiam da história tinham sempre a mesma reacção "parece um senhor tão distinto".
    É caso para dizer, as aparências enganam!!!

    Por isso, não é apenas o que se comunica intencionamente das várias formas, como o que se transmite aos outros, por vezes até inconscientemente, pela postura com que se está na vida.

    Jinho

    P.S. Adorava ver a cara da tua mãe quando lhe apareceste com um clip na orelha a fazer de brinco

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  2. Olá Catekista.. os tribunais andam a roubar a tua atenção e tempo para andares aqui pelo blog. Queres fazer uma ideia da cara da minha mãe diante das minhas afrontas à estética dela? Simples.. imagina uma topada no dedão do pé na esquina de um móvel (olhos arregalados), depois a cara de alguém a chupar limão... é mais ou menos a cara que ela fazia. :)

    Essa do "parece um senhor tão distinto" vem mais ao encontro daquilo que eu chamo do poder de dar tanga. A capacidade de criar empatia e um bom diálogo baseado em educação. Por isso mesmo, mesmo nos dias menos bons que tenho que enfrentar as famigeradas filas nos locais públicos e que vejo que quem atende no guiché tem um ar azedo e cansado... faço questão de fazer um sorriso e dar os meus bons dias. Talvez por isso raramente tenha problemas em atendimento, talvez essa pequenina frase de saudação é o que baste para a pessoa deixar de ser um funcionário e passar a ser gente.E quando o recurso não adianta, quando a pessoa em questão é irredutível e continua a jogar na linha dura...não dou troco, prefiro vir aqui no blog e dizer o que penso do que ficar em bate-boca.
    Quantas vezes minha amiga, principalmente tu, que te dás com imensos engravatados, colegas de profissão, não encontras uma cavalgadura vestindo Armani? Por isso mesmo, que tanto se me dá que use uma roupa marca tal, que tenha um IPod de última geração, que tenha um carro todo giraço...se nem sabe o básico da educação, pra mim, é não bater de frente.
    Conheço gente fantástica, que saem do habitual, de cabeça super bem feita, abertos ao diálogo e que a última coisa que penso é nos piercings ou na roupa que usa.
    Há uma coisa que muita gente esquece miúda, é que num banco de sangue, de órgãos para transplante, apenas estão lá os tipos deles, não está catalogado de escolhas pessoais do tipo:

    "Sai um litro de sangue O-, de um Punk, Budista e vegetariano torcedor do Sporting..." ou ainda

    "Procura-se doador de rim que seja Hippie, Hare Krisha, vegan e filiado no PCP."

    Somos todos iguais, com as mesmas necessidades... sangramos, rimos, choramos e amamos neste mundinho velho e louco...

    Bjo menina

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  3. EU AMO O ESTILO PUNK,GOTICO,EMO...SOU FASCINADA NESSAS COISAS E ATÉ PRETENDO VIRAR UMA DESSAS TRIBOS QUANDO CRESCER,TAH!BJUS

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  4. Nayla, obrigada ela visita...sabe de uma coisa?? Ainda estou a crescer e a assimilar um montão de coisas, novas experiências, enfim, vivendo de olhos abertos. Tive uma grande atracção pelo Punk na minha adolescência e com o passar do tempo me senti mais "em casa" com o movimento gótico. É verdade que a forma questionadora do movimento Punk continua bastante latente em mim...
    Cresce, descobre lendo e ouvindo, conversa e.. depois olha pra dentro de ti e assimila e torna teu aquilo que realmente te faz bem. Não te fixes muito na imagem, mas tenta conhecer melhor a filosofia desses movimentos.

    Bjos

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