Um homem que faz parte do pequeno grupo que considero de respeito, que já não faz parte do mundo dos vivos, Francisco Cândido Xavier, disse uma frase que deveria servir de base para toda gente:
"Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim."
Por muito que a gente tente fazer as coisas da maneira certa, tudo correctamente, há sempre um ponto onde somos falíveis. Os nossos vícios e virtudes são comprometidos pelas nossas necessidades e desejos. Aí Buddha diz que a raiz do nosso sofrimento são os nossos desejos. Paramos uma bocado e ficamos a pensar... se assim é, nesse caso o facto de desejarmos ser melhores, fazermos melhor é uma forma de sofrermos?
Talvez sim, quando a nossa natureza habitua-se a determinados modos de vida que lhe são confortáveis mesmo que isso se traduza num vício de prazer momentâneo, depois uma boa dose de auto-crítica e mal estar. Aí, sem apelo, nem agravo, tentamos mudar esta natureza mal amanhada pra melhor e começa o sofrimento. Quem é que nunca comprou uma coisa que não precisava absolutamente pra nada, mas que na hora H achou que sim, isso ia fazer feliz o dia e depois se arrependeu amargamente? E quem diz uma compra, diz uma relação, um modo de vida. Aquela cerveja a mais...
Mudar nesse caso, mesmo sabendo que é necessário é a fase pior: o desmame, a falta do corbertozinho de amparo. Porque actos compulsivos, geralmente, servem pra tapar um buraco pessoal de afectividade ou de necessidade de afirmação pessoal. Seja a gaja que tem mais sapatos que a Imelda Marcos, seja o engatatão que se julga o D. Juan do pedaço, ou o agarrado na droga. A bengala pode mudar, o motivo é sempre o mesmo, compensação e fuga.
Mas dá pra reverter a situação? Dá sim, lógico, senão Chico Xavier tinha só jogado uma grande frase de efeito e só isso mesmo. Mas arranjam-se sempre desculpas para que em cada começo se justifique um tropeço: uma data ruim de lembrar, uma fase difícil de ultrapassar, uma tentação complicada de resistir. Somos todos profissionais das desculpas, temos sempre uma pronta na manga, feita na medida justa do acontecimento.
Depois, há uma situação bastante interessante, é que quem tropeça e recomeça não enxerga, que muitas vezes, o facto de que quem está do lado de fora e assiste e não cobra as falhas, está muitas vezes a dar chances. Não se manifesta, não faz cobranças, mas espera ver até que ponto aquele que está tentando se centrar arrepia caminho e se aguenta na jornada. E dão-se imensas chances assim, dando espaço suficiente, uma boa dose de confiança muda, mas sempre na expectativa de ver que, quem tropeçou, aprendeu com o erro e já sabe como andar. Só que vão-se queimando chances, deitam-se fora oportunidades, esfria a confiança e chega uma hora que fica muito difícil mesmo dar o nosso benefício da dúvida. Acho que ninguém gosta muito daquela marcação fechada em cima de nós, aquela que olha com lupa em cada erro que cometemos e depois larga aquele : Ahahhh!!! Tás a ver?! Fizeste cagada!!!
Sou apologista de me manter no silencio, não fico com minúcias em cima de quem a custo se debate com a necessidade de fazer novos começos e acho por bem comemorar as pequenas, mas justas vitórias. Mas cansa e decepciona-me bastante ver que, gente consciente dos seus limites e capacidades, se justifiquem tão por baixo, que arranjem desculpas medíocres para os erros que cometem. Há sempre uma coisa que acho honesto fazer em questões de mudanças e recomeços: não prometam nada. Prometer seja o que for é firmar um compromisso público, e isso, é já a partida uma forma de não dar limite aos erros e tropeços.
Se é pra fazer promessas, faça cada um pra si mesmo, já é bastante complicado ter que olhar na imagem do espelho interno e ter que se injuriar por mais uma vez ter falhado. Não pergunte para outra pessoa se consegue fazer melhor, cada um sabe até que ponto é capaz e quer fazer os sacrifícios necessários para mudar.
Acho que a pergunta que se deve fazer, aquela mais certa e ajustada é: eu quero mesmo mudar? Talvez uma melhor ainda: quero mudar para melhorar a minha vida ou apenas para ser aceite na sociedade, para outra pessoa? Eu quero ser uma pessoa diferente?
Sou a favor da mudança, é um sinal de evolução (se bem que há coisas que mudem pra pior), mas uma coisa é certa, ninguém é só santo nem só pecador. Também ninguém consegue só cobrar ou só perdoar, e viver é sempre uma escolha muito pessoal.
Fica a frase do Iluminado, uma que mostra que andar no meio é um trabalho constante e que merece sempre a nossa atenção.
Buddha
...ninguém disse que isto de viver era fácil...
Apareçam
Rakel
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