Há uns tempos atrás, num filme em que Sandra Bullock fazia de uma bem sucedida colunista mas viciada em álcool, ela teve que ser internada... uma das terapias me chamou a atenção.
Havia de tudo na clínica onde ela estava a se tratar, vícios de todas as cores e sabores, em todas as idades e estratos socio-económicos. Todos bateram bem lá no fundo, quase perdendo as poucas coisas que restavam na vida, até mesmo a própria vida.
Sem lamechices, no que toca a descida acentuada e degradação humana, há uma hora que tem que se parar um bocado e refazer as contas. Porque isto dos sentimentos, das necessidades tem muito que se lhe diga, a sensação de solidão cristalizada que não se cura no meio da maior multidão e a incapacidade de saber cuidar de um relacionamento hoje são factos. Hoje a grande doença é a solidão. Sentimentos são algo vivo, que dependem dos nossos cuidados e atenção. É tirar para fora aquilo que somos e saber ter a paciência e sabedoria na hora de saber investir nas relações, seja dos amigos, da família de amantes ou namorados. Somos feitos de diferentes relações e interacções, precisando em cada uma delas o seu cuidado especial.
Daí que, no tal filme, a terapia de todos aqueles que fizeram imensas cagadas e perderam quase toda gente que os rodeavam, era simples e ao mesmo tempo complexa:
Primeiro, durante um ano tratariam de uma planta qualquer, fosse de flor ou não durante um ano essa seria a meta, deixa-la viva e viçosa. Parece fácil não é? Quando tive um terraço jeitoso, no tempo que não morava num apartamento, tive a possibilidade de ter tantas plantas quantas me foi possível fazer "pegar". Tive muitas roseiras de cores diferentes, cheguei a ter a Rosa de Fogo e a Lilás... duas bem complicaditas de pegar. Tive Avencas e Hortenses, tudo que fosse de bolbo nasceu naquele terraço. Conheci-lhes as manhas, as necessidades. Sim, levantava-me a meio da noite para apanhar os ranhosos dos caracóis que devoravam as folhas tenras acabadas de nascer. Lá ia eu de pilha na mão, munida de um saco plástico onde os recolhia. Descobri que enterrar um dente de alho perto da raiz das plantas ajudava a afugentar os afídeos, um tipo de piolho das plantas. Não usava nada artificial nem nocivo à saúde, porque acredito que as coisas... tem que ser naturalmente tratadas. Nada de aditivos, nada de adubos, nem de remédios fabricados. Mas mesmo tendo essa paciência com as plantas, nunca fui capaz de descodificar as manhas de um Bosai. Há ali um tipo de dedicação ou de acerto de linguagem que não alcanço. Morrem-me e não esperei ter o 3º para tentar uma vez mais.
Passado o primeiro ano então que uma pessoa conseguia ter a mesma planta viva e viçosa, tá na hora de passar para um animal de estimação. Aí a coisa pia fino. Você não nota quando a sua planta precisa de atenção, ou de carinho ou comida. Animal, gane, mia, pia e mostra bem o seu desconsolo, fome, dor ou pedincha atenção. Mais uma vez entra o factor paciência, dedicação e estabelecer uma relação. Animal tem personalidade, demonstra os seus gostos e desafios e portanto, há que encontrar no meio dessa relação os limites de cada um. Se ao cão lhe apetece uma soneca depois de comer, não deve obrigar o animal à uma corrida pelo parque só porque apetece ao dono. Vai ter o seus dias de birra, de emburramento ou então com a pilha toda. São vivos e não são como um GameBoy ou o computador, que dá pra desligar quando já cansamos. É um compromisso. Dou-me bem com os animais, felizmente, tenho uma boa relação com eles, me apego facilmente ao charme e personalidade e fico derrubada... quando perco algum.
Há uns dias o meu gato apareceu com febre, deixou de comer, ficou quieto demais. Isso assustou-me porque adoro o bicharoco, moí-me a cabeça , mas é paixão assolapada. Em conversa com o veterinário há a possibilidade de ser uma birra... porque comecei a trabalhar e não estou em casa o tempo todo: febre emocional.
Não há quem não reclame de que não consegue manter um relacionamento, das dificuldades de compreensão do ser par. As tais altas expectativas, a necessidade de agradar logo de caras mesmo forçando a ser aquilo que não é apenas para agradar e ganhar alguém. Rodear demais ou não ligar nenhuma... é como dar água demais ou de menos à uma planta. Morre por motivos óbvios, tal qual as relações que não são feitas abertas e honestamente. Saber e querer conhecer realmente uma pessoa, apesar das manhas e embirrações...é uma arte feita de paciência e dedicação. Compromissos que se baseiam nos limites de cada um, naquilo que podem dar sem frases feitas e as datas memorizadas para marcar os dias. Os dias, são todos diferentes, as vontades não são sempre iguais e porque raios então as relações não mudam com o passar do tempo também? Mas sempre para melhor, não aquela coisa do cansaço, do comodismo de chinelo velho e macio.
Um cão preso sempre na mesma trela curta, impedido de correr, de saltar de demonstrar a sua alegria e vivacidade... definha, enlouquece. Um gato negligenciado, que apenas deitamos comida no prato e trocamos a areia da caixinha, não te vai dar carinho, apenas o mesmo desprezo que ganhou o tempo todo daquele que um dia disse que queria muito ter um gato. Dar o que precisa é mais do que oferecer as necessidades básicas. Acho que toda gente que não se segura numa relação por muito tempo, que reclama das dificuldades, deveriam seriamente pensar em tentar esta terapia do filme 28 Days. Até peixe de aquário vale, embora dêem pouco retorno além de fazer bolhinhas. Quem sabe nisso tudo possam dar uma ajuda e tirar do abandono uma data de animais que precisam ser adoptados?
Filhos, relação, bichos de estimação, amigos e família... tudo merece a quantidade certa dos nossos afectos, como tudo na vida
Apareçam
Rakel.
P.S : "Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo dos animais, e nesse dia, um crime contra um animal será um crime contra a humanidade". ( Leonardo da Vinci )
Amiga, concordo com o Leonardo, mas acho k ainda nem estamos na fase em que um crime contra um ser humano (qualquer um) é um crime contra a humanidade, quanto mais um crime contra um animal.
ResponderEliminarJinho