O Número


Eu poderia apenas ignorar, fazer de conta que não é nada comigo, que o dia tá quente ou frio, me queixar da chuva ou falta dela. Poderia escrever alguma coisa divertida, uma chalaça qualquer e ganhar uns pontos pelo meu bom humor. Mas não vivo numa ilha isolada, não me fecho numa redoma, nem fico a reflectir sobre a minha sagacidade ou pela minha maneira peculiar de ver a vida. 

Tem gente demais com quem converso, muita gente que encontro ou reencontro, gente que se debate nas mesmas coisas: a busca da felicidade. Há quem pense e diga que mal de amores não é assunto para o Verão, como se sentimentos fossem uma assunto sazonal como a gripe ou escaldão de praia.  Que as gajas são umas choramingas e chatas, sempre a bater na mesma tecla. Mas a coisa não vai bem por aí. Quando bate o desencanto nos gajos, seja por uma questão de auto-estima ou de um chip incorporado, fecham-se em copas e vivem o momento de forma mais solitária.

É aquele cerrar de dentes e aguentar o tranco sozinhos, porque há de passar e não necessita que meio mundo se dê conta desse momento de desaire. Outros pedem um tempo e se desligam do mundo e só retornam quando colocam a casa em ordem, porque assim não tem que dar explicações. Ou talvez não dar a parte de fraco. As gajas não, essa colocam preto no branco seus mal-humores, seus momentos de fossa e os blogs se prestam à isso. Enche de poemas e músicas, gifts de corações puladores e estrelinhas cadentes... e palavras de desencontro, tristeza e a pergunta: mereço tamanha infelicidade?? Mails, sms, conversas telefónicas ou cara a cara...tenho de tudo, de todas as cores e feitios.

Todo mundo batalha pelo mesmo, a vontade de ser feliz, sentir-se realizado/a e ter uma vida plena de coisas boas. Não só no sentido sentimental, material também faz parte do conjunto do kit da felicidade. Mas cada um escolhe o sentido que mais lhe convém de felicidade... e aí reside o grande lance da convivência e da procura de quem nos complete. Todo mundo tem a sua visão do que é a sua felicidade e, na diversidade de tantas personalidades, é justo pensar que muitas vezes as metades das laranjas não sejam coincidentes.

O que noto também muitas vezes é a diferença daquilo que se diz e aquilo que realmente se deseja, uma coisa é o que vai cá dentro e outra é aquilo que se procura ou aceita. Não acredito que uma pessoa escolha deliberadamente sofrer, embora alguns casos me deixem a perguntar se não escolhem MESMO de propósito. 
Muitas se escudam com a Net, um meio fácil de alcançar e manter distancias, fácil de falar de si mesmas, mas ao mesmo tempo o nicho fácil de se proteger. Esta dualidade de situação, em que por um lado quer encontrar alguém, ao mesmo tempo que se coloca uma barreira é interessante. Algumas vezes dá certo, outras nem por isso.    

Uma das coisas que ando faz tempo a tentar explicar à algumas pessoas é que essa coisa de relacionamentos é uma questão de procura de felicidade com tradução pessoal. A problema é quando uma pessoa tem uma visão bem definida do que quer e dá de caras com outra que também sabe bem o que quer... mas não é nem de longe nem de perto igual da outra. Uma quer um relacionamento exclusivo, dividir tudo com essa pessoa e que seja eterno até que morte nos separe. Aí dá de caras com um que, além de não aceitar essa coisa de exclusividade, porque na cabeça dele/a  não tem que dar satisfações do que faz, se acha um ser livre e independente e não se acha capaz de ser completado por uma pessoa apenas. Verdade, verdadinha é que acontece em 80% dos casos.

Não vou julgar nem uns, nem outros, cada qual escolhe o modo de vida que lhe seja mais confortável,  só me pergunto porque raios estas pessoas se escolhem mutuamente sabendo a partida que o mais certo é a infelicidade... mas estrebucham e batalham como alguém que calça nº 39 e tenta calçar um sapato 36.
Ou arrebentam as costuras do sapato e já não é a mesma coisa ou é uma constante tortura de dor e angústias, mas tudo em nome de uma paixão ou amor que tanto desejou. Pra mim... é masoquismo. 

Me perguntaram se realmente acredito que pra cada pessoa há alguém pra ela, se há um par na nossa vida. Eu acredito que sim, por muitos motivos que agora levariam demasiado tempo a explicar, acredito nisso. Mas também acredito que, as coisas acontecem ou não. Porque se uma pessoa embica pra um lado e quer encaixar a viva força um 36 num pé de 39 não vai ser esse o seu par ideal. Mesmo que seja na cor e modelo que se apaixonou. Se quer que o seu par apareça... ande descalça por uns tempos. "Mas todo mundo tem, só eu é que não, há quem tenha tanto e outros tão pouco..." e mais umas tantas reclamações das injustiças da vida. Mas porque raios quer o 36???


Em primeiro lugar, se uma pessoa tem o mínimo de auto-estima, sabe que aquilo que não lhe dá felicidade é pra deixar ir embora e seguir seu caminho. É preferível isso do que passar uma vida inteira a pensar que um 36 vai virar 39 só pelo amor dos seus pezinhos lindos. NINGUÉM  acorda um dia e diz: "Ohhhh, nunca me dei conta de como tu és maravilhosa/o, dedicada/o, de quanto és importante pra mim e o quanto eu te amo!!"
Ficar reclamando e dizendo : "Mas eu dei tudo de mim, dei o meu melhor e ela/e nem deu por isso, é tão egoísta, que nunca viu os sacrifícios que fiz por ela/e" não vai servir de despertador ao que dorme em cima do relacionamento.

Pra já, quem dá, o faz porque quer, depois, se investe e não vê sequer um retorno que espera, melhor desistir, porque desse mato não sai coelho mesmo. Há quem tenha nascido só pra dar, há quem tenha nascido com a capacidade de enxergar apenas e tão somente o próprio umbigo, mas invariavelmente ambos dão de caras um com o outro. Da mesma forma que há relacionamentos bons, saudáveis e confortáveis e aos mesmo tempo excitantes... em que a cumplicidade é tal que nem necessitam muito de palavras. Não há mal estar, não há chatices, embora cada um viva da forma que escolheu. São raros, raríssimos, mas existem. Não, não é mito, existe mesmo, conheço um par deles.

Por outro lado há milhentos relacionamentos em que há bocas foleiras, jogam na cara um dos outros as falhas e faltas... e cada qual tem os seus telhados de vidro já bem estragados, mas continuam a espera que o 36 seja 39. E chamam isso de amoriiii!!! Acham que amor é pra lutar, conquistar à força de muitas lágrimas e brigas, de ouvir que : "não podes dizer nada por que tu também..." montes de acusações... Ou eu sou muito utópica, muito lírica ou romântica... mas não é essa minha tradução de amor e relacionamento ideal.

O amor é calmo. Dá-se e recebe-se na justa medida, não cobra, confia, aceita e se respeita. Chega quando tem que chegar e acaba no momento que tem que acabar. Não mente, não promete, sabe até aonde pode chegar, não pede mais porque dá o que tem. Ou aceitas ou não.

Pra mim, se não for assim, ando descalça, não vou dar cabo dos meus dedinhos por causa de um 36 que NUNCA vai ser um 39. Gosto demais dos meus pés (até porque calço 40...)

Apareçam

Rakel.

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