Raízes


Sabem quantas vezes escuto a pergunta : "Você não tem saudades do seu país?" ou a cara de espanto quando digo que nunca mais voltei...nem pra visitar?? Se me dessem 5 cêntimos por cada uma dessas perguntas, nestes mais de 20 anos a residir em terras Lusas, estaria rica.

De qualquer forma, as coisas passa-se assim: nasci no bairro da Móoca (porque a maternidade era lá) e fui criada no bairro do Tatuapé, um bairro com a normal salada Paulista de italianos, portugueses, espanhóis, libaneses, turcos e sei lá mais o que. Nessa colcha multi-cultural me criei até aos 16 anos, confesso que tenho muitas saudades dos sotaques arrevesados, das conversas entre eles nas suas línguas maternas e claro, os pratos típicos. Mas apesar de ter vivido num bairro residencial, em menos de 20 minutos estava no centro da cidade...que é assim:


Uma cidade enorme e cheia de prédios a perder de vista, cinzento com uns pinguinhos de verde pelo meio, gente apressada, transito e barulho.
Quando podia, eu e meu irmão rodávamos esta cidade, principalmente o centro, revirávamos as galerias, os shoppings, museus, cinemas...
Guardo boas lembranças desse tempo que ainda se saía de casa sem medo não voltar, fui do tempo da porta da rua fechada só no trinco, de pular muros e pegar fruta das árvores alheias...pegar bola ou papagaio de papel no quintal dos vizinhos. Meu bairro era assim:


Casas na sua maior parte, vilas antigas que agrupavam as casas dos imigrantes chegados de diversas partes do mundo... mas o tempo foi trazendo a necessidade de mais espaço, de mais locais de moradia e agora o meu bairro está assim:


No meio das casas, lado a lado com escolas, crescem como cogumelos prédios altos, desfigurando e tomando conta do espaço. Provavelmente a minha rua em pouco tempo será tomada pelos prédios, a casa onde cresci, talvez fique entalada entre prédios, perdendo o sol e se encolhendo no meio deste "progresso".

Não sei porque, mas perdi a vontade de voltar...as referencias se perderam, situar-me deve ser complicado agora. Pessoas e lugares se foram, deram lugar à outras e não sei, acho um bocado triste.Deixei a minha cidade na véspera do seu aniversário: dia 25 de Janeiro. Vivi uns tempos em Lisboa, na casa da minha tia, depois uns tempos na casa dos meus avós maternos no Alentejo. Nesse jardim aí , ficava a ler a tarde toda, na falta de outro entretenimento, uma aldeia pequenina, entalada entre Nisa e Castelo de Vide. Minha avó, que morava em frente ao jardim, sabendo que quando eu lia desligava do mundo, trazia-me uma bandeja com o lanche :) e ficava ali, no meio de flores e silencio a ler e comer...bons tempos.


Aí fui pra Santarém com meus pais, nasceu o meu irmão mais novo, conheci muitos amigos, casei, tive os meus filhos e vivi uns tempos. Mas não foi uma cidade que tenha me agarrado. Com o tempo me apercebi que ia ficando cada vez com mais prédios, mais cinzenta e mais dormitório. Mudamos por vários motivos pra onde moramos agora.

Acho que encontrei o meu canto citadino aqui, um misto de cidade organizada com o benefício do verde, de se cumprimentar as pessoas, de ter uma boa biblioteca, de uma boa sala de espectáculos... e bons jardins, verde, rio e castelo. A conjugação perfeita entre o ontem, o hoje e o amanhã.



Há imensos recantos onde se pode estar com a natureza apenas a distancia de uma pequena caminhada, depois poder sentar e ficar só a escutar o som da água, ver os pássaros migratórios e residentes fazendo pela vida. É poder depois levantar, sacudir as calças e rumar à biblioteca pra  pegar um DVD pra ver nessa noite. Isto minha gente, eu chamo de qualidade de vida. Meus filhos vão a pé pra escola, circulamos pela cidade toda a pé, estamos perfeitamente integrados na cidade e gostamos dela.

Ela tem um não-sei- o quê... que toda gente que vem aqui sente uma paz enorme, se sente bem. Quando saímos, ansiamos voltar. Acreditem, de noite tem sempre gente na rua, na avenida marginal do rio, com os filhos, amigos, seja Verão ou Inverno.

Não me perguntem portanto se tenho saudades do meu país, porque, o que deixei, ficou guardado cá dentro e é uma boa lembrança. A Sampa mudou demais, acho que ficaria sufocada nas suas ruas. Como sempre ouvi dizer, a nossa casa é onde penduramos o chapéu.  O meu tá aqui pendurado.

Apareçam

Rakel.

Comentários

Enviar um comentário

Estamos ouvindo